A meta inicial do programa de assistência financeira, recorde-se, era chegar ao fim de 2013 com uma dívida pública de 115,3% do PIB e já em trajectória descendente.
Segundo o INE, o resultado foi este: a dívida disparou de 94% (em 2010) para 129% do PIB (em 2013) e continua a piorar. Em suma: após três anos de trabalhos forçados e recessão, a dívida pública, em vez de diminuir, aumentou 51 mil milhões de euros (!) e já ultrapassa os 213 mil milhões. Moral da história: assim não vamos lá.
Os dados oficiais revelados pelo INE nas duas últimas semanas vieram desmentir frontalmente a teoria do “sucesso do ajustamento”: o que temos é mais pobreza e mais dívida pública. Apesar disso, há quem insista em ignorar os factos e teime em branquear o falhanço: “Felizmente, está a valer a pena”, comentou na sua recente entrevista ao Expresso o ainda Presidente da Comissão Europeia e ex-líder do PSD, Durão Barroso. E não fez a coisa por menos no apoio ao seu partido em vésperas de eleições: os resultados de Portugal, disse ele, “são extraordinários”. Mais: “foi correcto não fazer um ajustamento demasiadamente gradual”, garantiu ele. Dito isto, que não é pouco, Durão Barroso enunciou ainda de forma clara a linha de rumo que deve guiar doravante Portugal, a Europa e talvez o Mundo: “Em vez de estarmos a criticar a Alemanha, vamos fazer como a Alemanha fez”. E nesta frase notável resumiu toda uma escola de pensamento.
O problema é mesmo este: a direita sustenta que a austeridade foi boa e purificadora, penalizando de forma justiceira os preguiçosos da periferia europeia que teimavam em viver acima das suas possibilidades, ao mesmo tempo que beneficiava muito merecidamente as finanças da Alemanha (que anunciou ter ganho 41 mil milhões de euros só graças ao impacto da crise das dívidas soberanas nos mercados financeiros). A esta luz, a divergência económico-social, que ameaça gravemente o projecto europeu, não é entendida como um dano colateral da zona euro e da política de austeridade. Pelo contrário, é um objectivo saudável a prosseguir com firmeza e a aprofundar com determinação.
Por estranho que pareça, é embalada por esta perigosa visão das coisas e empolgada pelo seu “sucesso” imaginário que a direita se propõe seguir em frente, continuando a trilhar o mesmo caminho de austeridade nos próximos anos. Na prática, como já se percebeu, isto significa transformar os cortes provisórios em definitivos e, mais do que isso, fazer da austeridade um modo de vida, sem horizonte nem ambição. É esse o futuro deprimente que nos espera se nada mudar.
Dizem-nos, é claro, que não há nada para decidir porque não há alternativa, nem para a Europa nem para Portugal. Que este caminho, ditado pelos mercados, é inevitável e que nos resta aceitar obedientemente o nosso destino subalterno, elogiando quem manda para colher recompensas. Mas a verdade é outra: o futuro do projecto europeu depende da escolha democrática dos cidadãos.
E é possível construir democraticamente uma mudança política que faça a diferença na resposta da União Europeia a esta crise e que dê lugar a uma política orçamental e de gestão da dívida compatível com uma verdadeira agenda de crescimento, de emprego e de coesão. Tal como é possível uma outra atitude de Portugal na Europa, que recuse a subserviência e seja capaz de construir novas alianças em defesa do interesse nacional. Ao contrário do que dizem os que nos acenam permanentemente com inevitabilidades, há uma escolha democrática para fazer. Agora. E é melhor falar claro antes que seja tarde.
Artigo publicado no Diário Económico