12.07.17

“Fumo branco” na cimeira UE-Japão

Sendo uma notícia claramente positiva, o anúncio do acordo político entre a Comissão Europeia e o Japão não é o fim do caminho.

Como relator permanente do Parlamento Europeu para o Acordo Comercial entre a União Europeia e o Japão, não posso deixar de sublinhar a enorme importância do acordo político ontem anunciado pelas duas partes, no decorrer da cimeira bilateral que teve lugar em Bruxelas. Ao fim de vários anos de difíceis negociações, a União Europeia e o Japão — duas das maiores potências comerciais do planeta, cujas economias representam, em conjunto, mais de um terço do Produto Interno Bruto mundial — alcançaram, finalmente, um “acordo de princípio” para uma parceria económica e comercial de alcance estratégico, capaz de proporcionar consideráveis vantagens mútuas e de dar um contributo significativo para o reforço das trocas comerciais, o crescimento económico e a criação de emprego.

Numa altura em que a miopia política de Trump bloqueou, de uma assentada, as negociações comerciais transatlânticas (TTIP) e transpacíficas (TPP), em nome de uma visão simultaneamente protecionista e imperialista das relações económicas internacionais, este acordo, anunciado precisamente na véspera de uma reunião do G20 com a participação de Donald Trump, constitui uma mensagem clara contra o protecionismo e a favor de um comércio mais aberto, mais justo e mais regulado. Depois do recente acordo com o Canadá (CETA), e no seguimento de vários outros processos negociais já concluídos ou em curso, a agenda comercial afirma-se como uma das mais consistentes respostas da União Europeia aos desafios económicos e geoestratégicos da globalização.

Para Portugal, sem prejuízo de uma avaliação mais aprofundada do que ficou acordado — cujos termos essenciais só ontem foram formalmente divulgados e deixam ainda algumas questões em aberto —, este acordo apresenta-se como uma boa notícia, já que o Japão é um parceiro comercial com bastante potencial por explorar. O acesso mais fácil ao mercado japonês, a eliminação dos picos tarifários que até aqui penalizavam as exportações portuguesas — designadamente em setores tradicionais, mas também no setor agroalimentar, incluindo o sector do vinho —, a par da salvaguarda das chamadas “indicações geográficas”, que identificam e protegem os mais importantes produtos portugueses, são resultados negociais que abrem novas e prometedoras oportunidades para as nossas empresas e para a nossa economia. Mesmo em setores de maior valor tecnológico acrescentado, como as energias renováveis, Portugal fica em boas condições para tirar partido do novo quadro regulatório e comercial que agora se desenha.

Sendo uma notícia claramente positiva, o anúncio do acordo político entre a Comissão Europeia e o Japão não é o fim do caminho. Temos ainda pela frente alguns meses de negociações ditas “técnicas”, algumas das quais politicamente importantes. O Parlamento Europeu, a quem compete acompanhar o processo e a aprovação final do acordo, permanecerá vigilante até ao fim das negociações e não deixará de fazer, naturalmente, uma avaliação cuidada da sua versão final. Essa tarefa está confiada à Comissão de Comércio Internacional (INTA) e, dentro dela, ao grupo de escrutínio (monitoring group) para o Japão, ao qual presido, e que desde o início segue de perto estas negociações. Já na próxima semana, a INTA promove um debate público sobre o acordo com o Japão, que contará com a participação da própria comissária Cecilia Malmström, responsável pelo comércio internacional.

Desde o início, o Parlamento Europeu tem adotado uma posição muito exigente quanto a estas negociações, tal como ficou patente na resolução que aprovou sobre a matéria logo em outubro de 2012. Seguramente, esta atitude será mantida até ao fim, de modo a garantir um bom acordo, que sirva os interesses da economia europeia e dos cidadãos. Três pontos deverão merecer especial atenção nesta fase final.

Em primeiro lugar, a transparência: a Comissão Europeia já divulgou, e bem, boa parte dos textos acordados, mas não conseguiu ainda obter do Conselho autorização para divulgar o próprio mandato negocial. É importante que isso aconteça e que todos os esclarecimentos sejam prestados, para que possa haver um debate informado, com participação ativa da sociedade civil.

Em segundo lugar, um capítulo forte sobre desenvolvimento sustentável: os acordos comerciais não podem significar um nivelamento por baixo, nomeadamente no plano social, laboral e ambiental. É vital, por isso, que a versão final do acordo inclua compromissos claros quanto às convenções fundamentais da Organização Internacional do Trabalho, ao Acordo de Paris sobre as Alterações Climáticas e à Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Em terceiro lugar, não inclusão do velho sistema de arbitragem privada, conhecido pela famigerada sigla ISDS (Investor-to-State Dispute Settlement), para a resolução dos litígios entre os investidores e os Estados: na sequência do grande debate sobre o tema da arbitragem a propósito do TTIP e do CETA, a proposta da Comissão Europeia é agora a de um novo sistema de arbitragem pública para a resolução de litígios, o chamado Investment Court System, em que todos os juízes-árbitros são indicados pelos Estados, e já não pelos investidores privados. A prazo, espera-se que esta solução possa vir a ser substituída por um tribunal multilateral de investimento, porventura no âmbito da Organização Mundial do Comércio. Ao que parece, porém, o Japão resiste ainda a estas inovações, mas não há caminho de regresso: o Parlamento Europeu já deixou claro que não aprovará mais nenhum acordo comercial com arbitragem privada.

Por agora, o momento é de assinalar a excelente notícia da conclusão de uma etapa importante nas negociações e nas relações entre a União Europeia e o Japão. Se, como se espera, a versão final do acordo estiver à altura das expetativas, isto é, se for fiel aos valores e padrões europeus e se for justo e equilibrado, trazendo reais benefícios para as empresas (incluindo as pequenas e médias empresas) e para os cidadãos, terá todas as condições para conquistar a confiança da opinião pública e merecer a aprovação do Parlamento Europeu. A ser assim, será um importante motivo de esperança no futuro da União Europeia e no futuro de uma globalização mais regulada.

 

Artigo publicado no Público