Os últimos fiéis certamente contavam, na sua boa-fé, com o prometido fumo branco mas a verdade é que o fumo voltou a sair negro, muito negro, no final do Conselho de Ministros desta semana: ainda não foi desta que o Governo aprovou o famoso guião da reforma do Estado.
Os últimos fiéis certamente contavam, na sua boa-fé, com o prometido fumo branco mas a verdade é que o fumo voltou a sair negro, muito negro, no final do Conselho de Ministros desta semana: ainda não foi desta que o Governo aprovou o famoso guião da reforma do Estado.
A história do guião da reforma do Estado, que o primeiro-ministro começou por prometer para Fevereiro e desde então promete sempre para o mês seguinte, tornou-se já motivo do anedotário nacional e, como não podia deixar de ser, atinge profundamente a credibilidade do Governo, para além de expor à evidência toda a impreparação de quem tanta pressa teve de chegar ao poder. Ainda houve quem acreditasse, é certo, que o enguiço seria finalmente quebrado pela entrega da tarefa ao novo vice-primeiro-ministro mas o resultado está à vista – e é um absoluto fiasco. Depois de diversos conselhos de ministros extraordinários e ordinários sobre o tema e múltiplas promessas de novas datas (na última das quais o primeiro-ministro prometeu a aprovação do guião da reforma do Estado para o Conselho de Ministros desta semana), nada aconteceu. Nada, é claro, a não ser a continuação dos cortes cegos no Estado e nos serviços públicos, a par dos enormes cortes nos salários e nas pensões decididos nas últimas revisões do Memorando da ‘troika’ e no Orçamento que o Governo propõe para 2014.
A manifesta incapacidade do Governo para, mais de dois anos depois de chegar ao poder, produzir sequer um guião da reforma do Estado – desde sempre considerada a chave da proposta de governação da direita – diz mais do que mil palavras sobre a total inconsistência e impreparação de quem nos governa. Mas revela, acima de tudo, o grau de mistificação em que assentou a vergonhosa burla política que foi a proposta política que o PSD levou às últimas eleições legislativas e que, convém lembrar, resumia o esforço de consolidação orçamental ao corte nas chamadas “gorduras do Estado”. Aliás, o que faria sentido é que o Governo mandasse chamar, a custo zero, um tal professor Catroga para que ele, na sua qualidade de autor do programa eleitoral do PSD, fosse obrigado a explicar aos ministros, ao País, à ‘troika’ e ao Mundo, no intervalo entre duas reuniões do Conselho de Supervisão da EDP, como é que é possível fazer um guião da reforma do Estado assente apenas no corte das “gorduras” e cumprindo a promessa eleitoral de não agravar os sacrifícios sobre as pessoas e as famílias.
Fosse a reforma do Estado, como foi prometido, um mero exercício contra as “gorduras” e o “Estado paralelo” e já estaria feita. A dificuldade na elaboração de um guião apresentável para a reforma do Estado não é outra senão esta: a frontal contradição entre a reforma do Estado que a direita quer e o que foi prometido aos portugueses. É só por isso que é mais fácil fazê-la do que escrevê-la.
Seja como for, agora já é tarde. Assumidos que foram novos compromissos concretos com a ‘troika’, apresentadas que foram as Grandes Opções do Plano e feito que está o Orçamento de Estado para 2014, é óbvio que o Governo falhou o compromisso de promover, desta vez à porta aberta, um prévio e verdadeiro debate nacional sobre os desígnios e os caminhos da reforma do Estado. Decididas que estão as medidas, não pode aprovar-se agora, “a posteriori”, um guião que seja verdadeiramente digno desse nome – há limites para a mistificação!
Por isso, se houvesse respeito pela inteligência dos portugueses e sentido de companheirismo no Governo, alguém devia poupar ao dr. Paulo Portas mais uma semana de azáfama na produção de rascunhos desse famoso guião da reforma do Estado. Bastava ter a franqueza de lhe dizer o que toda a gente já percebeu: agora já não vale a pena.
Artigo publicado no Diário Económico