Os paraísos fiscais são o maior cancro do capitalismo global. Não há neles nada que mereça ser preservado. Nenhuma mais-valia para o interesse público. Nenhuma vantagem para o bem comum.
Tem-se dito, a propósito do escândalo ‘Panama Papers’, que é preciso “separar o trigo do joio”. A pergunta, por isso, impõe-se: será que há “trigo” no Panamá?
Sem dúvida, o recurso a paraísos fiscais, em si mesmo, não é ilícito, nem esconde necessariamente a prática de crimes. Há muitas décadas que bancos, empresas, escritórios de advogados e agências de mediação imobiliária de todo o mundo utilizam soluções de “planeamento fiscal” com recurso a ‘offshores’ e recomendam-nas com frequência aos mais respeitáveis agentes económicos.
Nesta medida, o desfile acrítico de nomes notáveis nos meios de comunicação social, em razão da sua simples associação ao paraíso fiscal panamiano, arrisca-se a atingir por igual situações bastante diferentes e a levar na enxurrada pessoas que, de facto, não mereceriam ser tratadas como criminosas. Porém, com tantos alvos apetecíveis, da política aos negócios, do cinema ao futebol, não há muitas razões para estarmos particularmente optimistas quanto ao rigor da cobertura mediática na distinção daquilo que importaria distinguir.
Dito isto, que se refere ao tratamento jornalístico das diferentes situações e pessoas envolvidas, importa dizer também que os paraísos fiscais são o maior cancro do capitalismo global. Não há neles nada, rigorosamente nada, que mereça ser preservado. Nenhuma mais-valia para o interesse público. Nenhuma vantagem para o bem comum. Nesse sentido, “não há trigo” no Panamá: nem tudo é crime, mas tudo é joio.
Na verdade, os paraísos fiscais, além de santuário para fluxos financeiros obscuros e ilícitos, são um insulto à equidade fiscal, agravam de modo intolerável as desigualdades, desviam receitas colossais das políticas públicas e do Estado Social, induzem miséria e subdesenvolvimento, promovem a especulação e ameaçam a estabilidade financeira. A única boa solução é acabar com eles.
Perguntar-se-á: e não se pode exterminá-los? Infelizmente, também não há razões para estarmos muito optimistas quanto a isso, apesar de todas as “ondas de choque” que para aí vão com este escândalo. Afinal, não menos escandalosa foi a própria crise financeira internacional de 2008-2009 e ainda hoje estamos para ver medidas suficientemente eficazes para pôr na ordem um sistema financeiro autenticamente viciado em produtos estruturados cada vez mais impenetráveis e opacos.
Não estando no horizonte, e muito menos ao virar da esquina, a necessária convenção multilateral para a eliminação dos paraísos fiscais à escala global e não sendo obviamente eficazes as medidas unilaterais tomadas por países isolados, o caminho passa por levar bastante mais longe as medidas que têm vindo a ser tomadas no âmbito da cooperação fiscal internacional contra os paraísos fiscais, a começar pelo próprio espaço europeu: uma “lista negra” comum dos paraísos fiscais, regras sobre o registo e divulgação dos “últimos beneficiários”, limitações às operações envolvendo sociedades ‘offshore’ e taxação das transferências financeiras para paraísos fiscais.
Estas são apenas algumas das medidas que têm vindo a ser discutidas e que apenas aguardam a necessária vontade política. Todavia, apesar de todos os progressos alcançados nos últimos anos, sobretudo no capítulo da troca de informação fiscal, quem deseja a eliminação dos paraísos fiscais ou pelo menos uma transformação profunda do actual estado de coisas é melhor que espere sentado: muita coisa terá de mudar antes que essa vontade política seja verdadeiramente credível.
Artigo publicado no site do Diário Económico