A mentira tem perna curta e a versão oficial sobre a resolução do BES coxeia a olhos vistos.
Apesar da patética protecção da Comissão Europeia, Governo e Governador do Banco de Portugal não podiam ir longe com a sua história da carochinha. Acabaram apanhados em flagrante e em delito.
Quando muito se falava no Decreto-Lei aprovado à pressa num célebre Conselho de Ministros eletrónico, ocorrido no Domingo, dia 3 de Agosto – o próprio dia em que foi anunciada a resolução do BES – fui à SIC Notícias, numa entrevista com a Ana Lourenço (6-8-14), chamar a atenção para um outro diploma mais importante, que até então tinha passado despercebido. Tratava-se do Decreto-Lei que definiu o quadro jurídico ao abrigo do qual viria a ser feita a operação de resolução do BES e que foi aprovado de urgência no Conselho de Ministros de 31 de Julho, quinta-feira, o dia seguinte à divulgação dos prejuízos do BES. A relação desta iniciativa legislativa com a crise do BES era tão óbvia que, como então assinalei, o Governo preferiu omitir a sua aprovação no habitual comunicado do Conselho de Ministros e o Presidente da República acedeu a fazer uma promulgação simplex, despachada no próprio dia. Apesar do Governador do Banco de Portugal insistir que a decisão de resolução só foi tomada na tarde de sexta-feira, dia 1 de Agosto, o que tudo isto mostra é que antes dessa data estavam já em curso os actos preparatórios da resolução, actos esses que seriam, necessariamente, do conhecimento de múltiplas pessoas (pelo menos do Banco de Portugal, do Governo e da Presidência da República). E isto numa altura em que as acções do BES permaneciam cotadas em bolsa e sem que a CMVM fosse informada destes factos relevantes ou fossem adoptadas quaisquer medidas para assegurar a defesa do mercado. Certo é que, entretanto, muita gente perdeu dinheiro enquanto outros o salvaram: entre quinta e sexta-feira, as acções do BES desvalorizaram cerca de 65% e só nos últimos 42 minutos antes da suspensão da cotação foram transacionadas em bolsa nada menos do que 80 milhões de acções!
A revelação pelo Diário Económico de um documento da Direcção-Geral da Concorrência (DGComp), da Comissão Europeia, que prova que o processo que levou à autorização por Bruxelas da utilização de dinheiros públicos na resolução do BES teve afinal início a 30 de Julho confirma, para lá de qualquer dúvida razoável, que os actos preparatórios da operação de resolução são bem anteriores à tarde do dia 1 de Agosto. É certo, a Comissão Europeia, muito solícita, apressou-se a explicar que foi por sua própria iniciativa que deu início ao processo, a título de “monitorização da situação”, depois de terem sido divulgados os prejuízos do BES. Só que esta explicação não bate certo. Em primeiro lugar, porque os resultados do BES só foram divulgados depois das dez da noite, hora de Bruxelas, e ninguém acredita que os funcionários da DGComp estejam de vigília aos resultados dos bancos ou andem a fazer noitadas para dar início a este tipo de processos administrativos. Em segundo lugar, porque o documento revelado pelo Diário Económico refere, expressamente, a base legal que serve de fundamento à abertura do processo: o artº 107º, nº 3, alínea b) do Tratado de Funcionamento da União Europeia. Vale a pena ler o que lá está escrito: “Podem ser considerados compatíveis com o mercado interno os auxílios (concedidos pelos Estados) destinados a fomentar a realização de um projecto importante de interesse europeu comum ou a sanar a perturbação grave da economia de um Estado-Membro”. O que isto quer dizer é simples: o processo iniciado em Bruxelas nunca foi um processo de mera análise dos prejuízos de um banco. Foi, desde o início, um processo de apreciação da compatibilidade dos auxílios de Estado ao BES com as regras do mercado interno. Aliás, a DGComp não tem por função supervisionar bancos em dificuldades. Trata, isso sim, do respeito pelas regras da concorrência. E estas só estavam em causa não porque o BES tinha prejuízos mas porque estava em preparação a sua resolução.
Diz o povo que mais depressa se apanha um mentiroso do que um coxo. E uma coisa é certa: anda muita gente a coxear nesta história.
Artigo publicado no Diário Económico