28.11.14

Juncker e o multiplicador

O plano de investimento apresentado esta semana por Jean-Claude Juncker é pouco mais do que uma farsa e fica muito aquém dos mínimos indispensáveis para ser credível como alavanca decisiva da recuperação da economia europeia.

Foi em nome de uma “mudança” na política económica, necessária para obter o apoio do Parlamento Europeu, que o novo presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, anunciou um plano de investimento de pelo menos 300 mil milhões de euros de investimento adicional para os próximos três anos (2015-2017). Como ele próprio explicou antes ainda de tomar posse, seria “dinheiro novo”, a somar ao já previsto, de modo a fazer a diferença no crescimento económico e na criação de emprego. 

O que foi apresentado, porém, foi muito diferente: a criação, no âmbito do Banco Europeu de Investimento (BEI), de um novo instrumento financeiro, o Fundo Europeu para os Investimentos Estratégicos (EFSI, na sigla inglesa), financiado por apenas 21 mil milhões de euros, dos quais 16 mil milhões, em forma de garantias, vêm do actual orçamento comunitário (e não são, por isso, dinheiro novo) e 5 mil milhões vêm de um esforço adicional do próprio BEI. O resto, necessário para perfazer o total de 315 mil milhões de euros de que agora se fala, é pura ficção científica e assenta numa estimativa totalmente absurda que calcula que por cada euro de dinheiro público surgirão, por artes mágicas, nada menos de 15 euros de investimento privado. Nunca se viu tal coisa e por boas razões, que todos os economistas conhecem: nunca aconteceu porque pura e simplesmente não é possível.

Não há, pois, como ignorar a evidência: todo o plano de Juncker assenta num multiplicador absurdo, que foi “martelado” até dar o resultado que era preciso. E o resultado foi um inacreditável “factor 15”, em que ninguém pode, com seriedade, acreditar. Aliás, poucos dias antes da divulgação do plano, o sóbrio Financial Times, comentando rumores que davam por certo que a Comissão se preparava para apresentar um plano assente numa alavancagem de factor 10, fazia notar a opinião de vários observadores que, à luz da experiência, consideravam esse cálculo como “muitíssimo optimista”. Ora, se um factor 10 seria optimista, um factor 15 aproxima-se perigosamente de um insulto à nossa inteligência. Juncker vai ter que fazer melhor se quiser convencer alguém de que está aqui para combater a estagnação da economia europeia, que ameaça todo o projecto europeu.

 

PS – Sobre a detenção do meu amigo e ex-primeiro-ministro José Sócrates, já fiz a declaração pública que entendo dever fazer nesta altura. Espero que o funcionamento da Justiça permita fazer luz sobre a verdade. E a Justiça, para merecer esse nome num Estado de Direito, tem regras: não se faz na praça pública, convocando um circo mediático e permitindo fugas de informação selectivas para os jornais; nem se faz com julgamentos precipitados, sem conhecer as provas, sem apurar todos os factos e sem ouvir sobre eles todas as partes. Quanto ao mais, saiba-se que acompanho a separação de águas definida pelo secretário-geral do PS. E o resto já foi dito pelo professor Vital Moreira, aqui no Diário Económico (26-11-2014) e no blog Causa Nossa, imperdível como sempre.

 

Artigo publicado no Diário Económico