Alguma coisa se passa. Agora que está à vista nas economias europeias o falhanço das políticas drásticas de austeridade, começa a ser difícil encontrar os pais da criança.
De um lado, vemos o FMI a lançar veementes “alertas”(!) contra os riscos da austeridade excessiva, como se o próprio FMI não tivesse participado activamente na definição de todos e cada um dos programas de austeridade. Do outro, vemos a Comissão Europeia igualmente a lavar daí as suas mãos, ao ponto de o próprio Durão Barroso ter vindo jurar que a Comissão nunca (!) impôs a nenhum Estado-membro qualquer medida de austeridade. Pelo contrário, garantiu ele, as medidas de austeridade foram todas decididas livremente pelos Governos. Por este andar, ainda os vamos ouvir dizer que os Governos é que resolveram impor estas políticas excessivas de austeridade contra a vontade do FMI e da Comissão Europeia e apesar todos os seus lancinantes avisos e da sua esforçada resistência…!
Mas este indecoroso “jogo do empurra” teve ao menos o mérito de permitir uma revelação importante. Na verdade, Durão Barroso revelou esta semana no Parlamento Europeu que foi a Comissão Europeia – e não o FMI – quem propôs, no âmbito da 5ª avaliação do Programa de Assistência Financeira, que fosse dado mais um ano a Portugal para cumprir as metas do défice. Trata-se, em bom rigor, de uma dupla revelação. Por um lado, como resulta claro do ênfase posto por Durão Barroso, a Comissão Europeia pretende descolar da ideia, aliás correcta, de que tem sido mais exigente do que o FMI na elaboração dos actuais programas de austeridade. Por outro lado, a declaração do Presidente da Comissão Europeia confirma um facto de que apenas se suspeitava: o Governo português, de Passos Coelho, mesmo sabendo do desvio colossal que tem nas contas do défice de 2012, não tomou, durante a 5ª avaliação do Programa, nenhuma iniciativa para propor uma adequação do calendário das metas orçamentais previstas para este ano e para os anos seguintes. Teve de ser a Comissão Europeia a fazê-lo!
É obviamente patético o argumento de que é melhor assim para “salvar as aparências”, na medida em que a “flexibilização” das metas pode ser apresentada como um “reconhecimento” da “troika” a quem “está a cumprir”. Ninguém é tão parvo como isso: é óbvio para todos que a revisão das metas orçamentais se tornou indispensável não porque o Governo esteja “a cumprir” seja o que for mas justamente pela razão contrária: porque o Governo, apesar de todos os sacrifícios pedidos aos portugueses “além da troika”, está muito longe de conseguir cumprir as metas do défice em 2012 e, se nada fosse feito, menos ainda seria capaz de cumprir as metas anteriormente fixadas para 2013. É o manifesto falhanço do actual Governo que obriga à revisão do calendário inscrito no Memorando inicial.
Mais importante, porém, é que esta passividade negocial do Governo junto da ‘troika’, fundada na lógica serôdia de obediência à senhora Merkel, tem consequências desastrosas para o interesse nacional. O problema é este: dada a dimensão colossal do desvio que Vítor Gaspar tem nas contas da execução orçamental de 2012, o simples adiamento por um ano das metas do défice – “oferecido”, sabe-se agora, pela Comissão Europeia – chega tarde e é manifestamente insuficiente. A melhor prova disso é que o Governo ficou com um duplo caderno de encargos entre mãos, claramente condenado ao fracasso e simplesmente inaceitável por qualquer pessoa de bom senso: fazer um orçamento para 2013 que será insuportável do lado da receita e fazer um orçamento para 2014 que será impraticável do lado da despesa. Não há economia, nem Estado Social, que resistam a um programa louco como este. Nem creio que haja Governo, em democracia, que o possa executar.
Artigo publicado o Diário Económico