Depois de cinco anos de política de austeridade, a Comissão Europeia clarificou os termos em vai finalmente adoptar uma leitura mais flexível das regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento. Não sendo suficiente, é alguma coisa. E é certamente mais do que Passos queria.
Os dogmas em que se fundou a política de austeridade, que orientou a resposta errada da União Europeia à crise financeira, estão a cair uns atrás dos outros. Afinal, nem o mandato do BCE impedia uma resposta mais eficaz à especulação instalada nos mercados de dívida soberana, nem as regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento são incompatíveis com uma política orçamental menos danosa para a economia e para o emprego. Sem alterar uma vírgula no Tratado de Lisboa ou nas regras do Pacto, o tom da resposta europeia à crise começa a mudar: primeiro, graças à política monetária expansionista do BCE (em breve reforçada com um programa de Quantitative Easing); depois, pela nova orientação da Comissão Juncker, com o seu plano de investimento (público e privado) e a sua abertura à flexibilidade orçamental.
Duas razões explicam esta evolução. A primeira, é a própria evidência do fracasso da política de austeridade. A segunda, é a forte pressão política dos socialistas em todas as frentes da política europeia: no Parlamento Europeu (em que o seu voto é decisivo); no Conselho (graças à liderança de Matteo Renzi na presidência italiana) e no interior da Comissão (desde que o socialista francês Pierre Moscovici substituiu o liberal Olli Rhen nos assuntos económicos). Não será ainda a mudança de que a Europa precisa mas é bastante melhor do que tinhamos com a Comissão Barroso – que era nada.
Finalmente, a “flexibilidade” orçamental deixou de ser um conceito vazio para ganhar sentido e substância, embora com latitude diferente para quem esteja ou não em défice excessivo. Doravante, a Comissão promete tomar em conta o contexto do ciclo económico e a realização de reformas estruturais na ponderação dos esforços orçamentais de cada país e mesmo na permissão de desvios em relação às metas do défice. Mas também promete uma política orçamental mais amiga do investimento, por duas vias: primeiro, não contabilizando no défice as contribuiçoes dos Estados para o novo Fundo europeu de investimento; segundo, adoptando uma interpretação mais generosa da chamada “cláusula de investimento” de modo a permitir que os Estados que não estejam em défice excessivo se desviem temporariamente das metas do défice para aumentarem o investimento público.
Esta evolução, embora ainda tímida e compromissória, é da maior importância também para Portugal. É certo que a nova formulação da “cláusula de investimento” não permite aos Estados em situação de défice excessivo, como é o nosso caso, isentar do défice a comparticipação nacional dos projectos financiados com fundos comunitários da mesma forma que se isentam as contribuições para o Fundo europeu de investimento – um manifesto absurdo, que importa corrigir.
Mas, além das vantagens indirectas que sempre virão para as exportações portuguesas de políticas orçamentais menos restritivas dos nossos parceiros europeus com mais margem de manobra, Portugal beneficia directamente de três importantes implicações desta nova flexibilidade: primeiro, pode desde já aceder a um calendário de ajustamento mais alargado em contrapartida da realização de reformas esruturais; segundo, as suas metas passam a ser definidas e avaliadas ponderado o impacto orçamental das quebras da actividade económica que escapem ao controlo do Governo; terceiro, a despesa pública que Portugal fizer em contribuição para o Fundo europeu de investimento não será contabilizada para o défice. Tudo isto, é claro, Passos Coelho combateu, sempre fiel à “linha dura” da austeridade. Mas de tudo isto Portugal poderá beneficiar, apesar dele.
Artigo publicado no Diário Económico