Ao fim de mais de dois meses de impasse, a Itália está à beira de ver concretizado o pior de todos os cenários: um Governo eurocético e xenófobo, fruto de uma aliança de ocasião entre o populismo do Movimento 5 Estrelas, liderado por Luigi di Maio, e a extrema-direita da Liga, capitaneada por Matteo Salvini.
É certo, não há ainda acordo sobre o primeiro-ministro que ambos os partidos vão propor, na próxima segunda-feira, ao presidente Sérgio Mattarella, mas já está negociado – e será agora submetido a uns simulacros de consultas públicas – um programa de Governo, na forma de um “Contrato para o Governo da mudança”. E as notícias, como seria de esperar, não são boas. Nem para Itália, nem para o projeto europeu.
Apesar terem acabado por ficar de fora da versão final do texto algumas das ideias mais radicais que agitaram a campanha eleitoral – saída do euro, saída da NATO, perdão da dívida pública detida pelo BCE, uso obrigatório da língua italiana nas mesquitas… – este acordo de Governo, para além de prometer um contencioso generalizado com as instituições europeias, contém uma série de medidas altamente preocupantes: bloqueio à entrada de refugiados; deportação de meio milhão de imigrantes em situação irregular; recenseamento dos pregadores muçulmanos; reforço de medidas securitárias, incluindo incentivo ao porte de arma; retrocesso na justiça fiscal, com taxas uniformes, ou “flat tax”, nos impostos sobre as pessoas e sobre as empresas; aproximação a Moscovo, incluindo por via do abandono das sanções europeias contra a Rússia – só para dar alguns exemplos.
Se para a Itália esta agenda governativa populista é potencialmente explosiva, tanto do ponto de vista económico como do ponto de vista social, para a União Europeia, que está a entrar numa fase crítica do debate sobre a reforma do Euro e sobre o próximo Quadro Financeiro Plurianual, constitui um verdadeiro pesadelo deixar de poder contar com o contributo construtivo de um parceiro tão importante como a Itália.
A julgar pelo cardápio de medidas radicais acordadas entre o Movimento 5 Estrelas e a Liga, é bem provável que a aliança do populismo com a extrema-direita, a confirmar-se, honre o título do contrato agora firmado e dê à Itália aquilo a que os próprios signatários chamam um “Governo para a mudança”. Mas nada indica que a mudança seja para melhor.
Artigo publicado no Jornal de Notícias