10.02.12

Muito além da “troika”

O Memorando estabelecido com a ‘troika’, já o disse aqui, “tem as costas largas”. De facto, é muitas vezes a despropósito que o Governo aparece a desculpar as suas próprias escolhas com a necessidade de “cumprir o Memorando”.

No decorrer do último debate quinzenal, por exemplo, o primeiro-ministro – numa clara tentativa de condicionamento da oposição do Partido Socialista – chegou a dizer ao Secretário-Geral do PS para não se queixar do Governo por estar a impôr aos portugueses “os sacrifícios que o Governo do seu partido negociou”.

Sucede que o argumento é falso: os principais sacrifícios que o Governo está a impor aos portugueses não são os que o Governo do PS negociou com a ‘troika’ – são outros. E bem mais duros do que os previstos no Memorando inicial. É importante explicar isto para que os portugueses saibam o que realmente significa esta loucura de termos um Governo que, apesar da recessão, insiste numa austeridade “além da ‘troika'”. Entre Julho e Agosto do ano passado, o actual Governo anunciou três medidas adicionais para 2011 (um verdadeiro PEC V): o imposto extraordinário, equivalente a metade do subsídio de Natal de 2011; o aumento do IVA da electricidade e do gás, para a taxa máxima de 23% e o aumento brutal dos transportes, entre 15 e 25%. Acontece que o Memorando negociado pelo Governo do PS não previa NENHUMA medida adicional para 2011 (e está hoje confirmado que nenhuma destas medidas era necessária para cumprir a meta do défice, que até vai ficar bem abaixo do previsto).

Depois, no Orçamento para 2012, o Governo adoptou um novo conjunto de medidas adicionais (um autêntico PEC VI): o aumento do IVA da restauração, para a taxa máxima de 23%; o aumento para o dobro das taxas moderadoras; novo aumento brutal dos transportes públicos e dos passes sociais (com redução ou eliminação dos apoios às crianças, aos jovens e aos idosos); o aumento do IRC, com a eliminação do escalão reduzido de 12,5% e, sobretudo, a eliminação (pelo menos neste ano e no próximo) do 13º e do 14º mês dos funcionários públicos e pensionistas.

Mais uma vez, NENHUMA destas medidas estava prevista (ao menos nestes termos) no Memorando negociado com a ‘troika’ pelo Governo do PS. Nalguns casos (transportes, taxas moderadoras e IVA) o Memorando inicial previa, é certo, a ocorrência de aumentos, embora não quantificados – mas nunca estiveram pressupostos aumentos tão brutais como os que vieram a ser decididos pelo Governo. Veja-se o caso, bem elucidativo, dos aumentos do IVA: no Memorando inicial estava prevista uma reestruturação do IVA capaz de gerar uma receita adicional de 410 milhões de euros; porém, os aumentos do IVA decididos pelo Governo visam uma receita adicional que o Orçamento para 2012 estima em mais de 2000 milhões de euros (!) – ou seja, cinco vezes mais do que o previsto no Memorando negociado com a ‘troika’ pelo Governo do PS!

Contas feitas pelo próprio Governo, a austeridade “além da troika” foi da ordem dos 1000 milhões de euros em 2011, atingirá os 4300 milhões de euros em 2012 e, pelo que já se sabe (IVA, cortes de salários e pensões), será de pelo menos 3200 milhões de euros em 2013. Tudo somado, teremos, em apenas três anos, 8500 milhões de euros de sacrifícios “além da ‘troika'”. Que fique claro: estes sacrifícios, gravemente recessivos e em muitos casos desnecessários (como se provou em 2011), foram decididos e negociados por alguém – certamente. Mas não foi pelo Governo do PS.

 

Artigo publicado no Diário Económico