Não é boa ideia rever outra vez a Lei da nacionalidade para facilitar ainda mais o acesso à nacionalidade portuguesa, como pretendem PSD e Bloco de Esquerda através das propostas que apresentaram na Assembleia da República.
Numa matéria tão estruturante, a estabilidade é um valor. Acontece que desde que foi alvo de uma profunda reforma em 2006 (por minha iniciativa, enquanto ministro da Presidência), a Lei da nacionalidade já foi revista três vezes: em 2013, para regular o acesso à nacionalidade dos descendentes de judeus sefarditas portugueses; em 2015, para vedar a naturalização a pessoas que possam constituir perigo para a segurança ou a defesa nacional; e de novo em 2015, para conceder a nacionalidade originária às pessoas nascidas no estrangeiro que tenham pelo menos uma avó ou um avô portugueses, desde que mantenham laços de efetiva ligação à comunidade nacional. É muita mudança para tão pouco tempo!
E não há necessidade: a nossa lei é reconhecida internacionalmente como uma referência exemplar, pelo seu equilíbrio entre abertura e responsabilidade. Sendo generosa, tem funcionado bem, sem provocar qualquer perturbação: segundo os dados do Instituto dos Registos e Notariado, revelados pelo JN, só no ano passado mais de 92 mil estrangeiros acederam à nacionalidade portuguesa. Desde 2006, serão quase 600 mil. O problema de termos uma lei demasiado fechada simplesmente não existe.
Acresce que nenhuma das propostas se afigura razoável. A primeira, do Bloco de Esquerda, atribuindo a nacionalidade portuguesa às crianças nascidas em Portugal ainda que os pais sejam estrangeiros em situação ilegal, funcionaria obviamente como um convite aberto à imigração clandestina, fazendo de Portugal uma porta fácil de acesso ao apetecido espaço europeu de liberdade de circulação de pessoas. A segunda, sugerida pelo PSD, dispensando todos os netos de um cidadão português nascidos no estrangeiro de provar a manutenção de quaisquer laços de efetiva ligação à comunidade nacional, implicaria a irresponsável atribuição automática da nacionalidade porventura a milhões de estrangeiros, sobretudo oriundos dos PALOP e do Brasil (incluindo incontáveis atores brasileiros de telenovela que tiveram uma avó ou um avô portugueses). A terceira, tratada (embora em termos diferentes) tanto pelo Bloco como pelo PSD, aligeirando os requisitos e os procedimentos de acesso à nacionalidade por parte dos estrangeiros casados ou unidos de facto com um cidadão português, constituiria uma verdadeira imprudência quando se sabe que há redes criminosas a explorar o negócio dos casamentos fraudulentos como via de acesso à nacionalidade.
O consenso nacional em torno dos temas da nacionalidade e da imigração é um fator distintivo da sociedade portuguesa, que importa preservar. Para isso, é preciso que, em Portugal, “nacionalidade” continue a rimar com “generosidade”, mas também com “responsabilidade”.
Artigo publicado no Jornal de Notícias