Depois de terem prosseguido uma política de violência total contra a família, PSD e CDS querem convencer-nos, com umas quantas medidas desconjuntadas de última hora, de que estão muito preocupados com a queda da natalidade.
O problema é que a legislatura está no fim. E a paciência também.
Recapitulemos a extensão do desastre: o número anual de nascimentos, que entre 2009 e 2010 (sim, durante o último Governo socialista…) tinha aumentado de 99 mil para 101 mil, caiu agora para cerca de 83 mil em 2014 (segundo as estimativas disponíveis com base nos “testes do pezinho”). Assim, números redondos, deu-se uma redução brutal de 101 mil para 83 mil nascimentos anuais, o que quer dizer que temos agora menos 18 mil nascimentos por ano (!), ou seja, quase menos 20% em apenas quatro anos! Consequentemente, o índice de fecundidade caiu de forma abrupta (para os 1,21 por mulher em idade fértil, segundo os números oficiais de 2013) e a média de idade das mães à data do nascimento do primeiro filho disparou, a ponto de chegar quase aos 30 anos de idade (29,7 anos em 2013)!
Dito isto, não devia ser preciso dizer mais nada. Estes números falam por si e dizem tudo o que há para dizer sobre as consequências devastadoras da absurda estratégia de empobrecimento e de incentivo à emigração que Passos Coelho escolheu e prosseguiu ao longo dos últimos anos – já que, nunca é demais recordá-lo, foi exclusivamente sua a opção pela austeridade além da ‘troika’, que implicou o dobro (!) da austeridade que estava prevista no Memorando inicial e provocou o agravamento da recessão e do desemprego mas também, de um modo geral, a degradação das condições de vida das famílias.
Todavia, vale a pena dizer algo mais sobre o pacote de medidas apresentado pelos partidos da maioria. De facto, bem vistas as coisas, para além de uma ou outra medida pontual mais interessante (alargamento da licença de paternidade e do pré-escolar, por exemplo) e de uma série de curiosas “recomendações” dirigidas ao próximo Governo (onde, aí sim, a maioria se sentiu livre para dar largas à generosidade, seja no abono família seja nas isenções fiscais), esse pacote de medidas resume-se a uma única medida verdadeiramente emblemática: a chamada “meia jornada” de trabalho na função pública. Ora, esta medida consiste essencialmente no seguinte: permitir que os pais (e avós) com filhos (ou netos) com menos de 12 anos de idade possam trabalhar só meio-dia, desde que passem a receber apenas 60% do salário.
A primeira constatação a fazer é esta: quem concebeu esta fantástica medida e fez dela a bandeira emblemática de um conjunto de propostas para combater a queda da natalidade não terá, certamente, os pés bem assentes na terra. A ideia de que as famílias dos jovens, na situação presente, estão em condições de prescindir de 40% do salário de um dos membros do casal para ficar em casa a meio tempo a cuidar dos filhos revela um desencontro absoluto com aqueles que são os problemas reais das famílias portuguesas e, no fim de contas, com as verdadeiras razões da queda brutal da natalidade.
O que aconteceu nos últimos anos com a queda da natalidade é demasiado grave para ter solução com medidas pontuais, por muito importantes que sejam, mesmo em domínios críticos como os da conciliação entre a actividade profissional e a vida familiar. Ao ponto em que as coisas chegaram, este combate tem de ser travado no terreno que conta e, verdadeiramente, o que conta é a política económica e de emprego. Só uma economia que cresce, que cria emprego, que garante direitos e que paga salários é que pode gerar as condições de segurança necessárias para viabilizar projectos familiares com futuro – e com filhos. O resto, pode até chamar-se “meia jornada”. Mas não deixará de ser hipocrisia inteira.
Artigo publicado no Diário Económico