A ilusão de um Brexit indolor e até redentor para os britânicos, que tanto inspirou as mensagens panfletárias destinadas a caçar votos no referendo, vai-se esfumando rapidamente à medida que se dissipa o nevoeiro londrino e ficam à vista, em toda a sua extensão, as verdadeiras consequências da rutura. As negociações do Brexit serão longas e difíceis. Proclamações à parte, ninguém faz a menor ideia de como e quando poderão acabar. O que se sabe é outra coisa: nove meses depois do referendo, as negociações formais ainda nem começaram e a única coisa que podemos ter por certa é a própria incerteza.
Lamentavelmente, os partidários do Brexit mergulharam o Reino Unido nesta aventura sem terem uma estratégia clara e consistente para o dia seguinte. Foram precisos vários meses para que o novo Governo conservador conseguisse, ao menos, cumprir as tarefas elementares de construir a sua posição negocial e dar início formal ao processo de saída. E importa notar que essa posição negocial de partida já traduz um primeiro choque das ilusões do Brexit com a realidade. De uma assentada, o Governo britânico reconhece três consequências da rutura que os partidários do Brexit sempre tiveram o cuidado de esconder dos eleitores: primeiro, que rejeitando a liberdade de circulação de pessoas o Reino Unido não poderá manter o acesso às vantagens económicas do mercado único; segundo, que os cidadãos britânicos serão futuramente tratados nos vários países da União Europeia, para o bem e para o mal, em condições de reciprocidade com o tratamento que for dado aos imigrantes europeus no Reino Unido; terceiro, que a pretensão de repor o velho sistema de controlo das fronteiras é incompatível com a manutenção do atual dinamismo da atividade económica e, sobretudo, com a pretensão de manter a atual liberdade de circulação entre a República da Irlanda e a Irlanda do Norte.
A próxima ilusão dos partidários do Brexit a ser posta à prova diz respeito à própria questão da organização do processo negocial, que será o terreno do primeiro grande embate entre as duas partes: enquanto o Reino Unido pretende iniciar já a negociação do quadro de relacionamento futuro com a União Europeia, Bruxelas insiste em negociar primeiro os termos do divórcio e do regime transitório que deverá vigorar até que, num horizonte mais alargado, seja estabelecido um segundo, e mais complexo, acordo de parceria estratégica e comercial. Está bem de ver que são dois métodos absolutamente incompatíveis: ou se faz uma coisa, ou se faz outra. Sucede que a pretensão do Reino Unido parece simplesmente impraticável: não se vê como é que um acordo tão imensamente complexo nos planos político, económico e até jurídico, poderia ser negociado em apenas 18 meses, a tempo das próximas eleições europeias de 2019. Tudo leva a crer que essa será a próxima ilusão dos partidários do Brexit a chocar de frente com a realidade.
Artigo publicado no Jornal de Notícias