O caso escandaloso do Túnel do Marão, cujas obras estão paradas há 21 meses (!), tornou-se no mais eloquente monumento nacional à incapacidade do Governo. Enquanto o gigantesco ministério da Economia faz que anda mas não anda, atafulhado em competências, o tempo passa e nada acontece.
E já lá vão quase dois anos!
Ao contrário de outras infra-estruturas rodoviárias, o Túnel do Marão não é uma obra controversa. Todos reconhecem que este investimento, lançado pelo Governo do Partido Socialista, é uma mais-valia para a economia nacional e que é estruturante para o desenvolvimento económico-social da região de Trás-os-Montes, do Distrito de Vila Real e dos concelhos do interior do Distrito do Porto. Fazendo a ligação Amarante-Vila Real (A4/IP4), o túnel é também essencial para a coerência do sistema rodoviário, articulando-se de modo especial com a nova Auto-Estrada Transmontana (agora em fase de conclusão). Por outro lado, permitirá reduzir a elevada sinistralidade rodoviária no IP4.
Sucede que as obras do Túnel do Marão – embora já concluídas em 70% e pagas em mais de metade – pararam no dia 27 de Junho de 2011, poucos dias depois da tomada de posse do Governo de Passos Coelho. E assim ficaram até hoje. Entretanto, muitas das 100 PME envolvidas nas obras foram arrastadas para a falência e a esmagadora maioria dos 1400 trabalhadores que ali tinham trabalho engrossaram os números do desemprego ou tiveram de emigrar. Paralelamente, tem-se verificado a degradação dos materiais de construção abandonados e aumentaram os riscos para a segurança da obra – implicando custos adicionais.
A concessionária a quem, na sequência de concurso público internacional, foi adjudicada a obra (e cujos accionistas são a Somague e a MSF), argumenta que teve de suspender os trabalhos porque o consórcio bancário se recusou a cumprir o contrato de financiamento som a alegação de “alteração das circunstâncias”. E não surpreende que os bancos tenham “perdido interesse” neste financiamento, visto que ele foi cuidadosamente negociado e contratado em condições muito favoráveis para os interesses do Estado e dos contribuintes, com spreads entre 0,4% e 1%, bem aquém das margens hoje praticadas no mercado. O que surpreende é outra coisa: é que até hoje não se tenha ouvido uma palavra clara do Governo exigindo do consórcio financeiro o cumprimento integral daquilo que contratou. E isso surpreende mais ainda quando se sabe que esse consórcio é maioritariamente constituído (em 53%) por entidades participadas pelo próprio Estado (CGD e BEI). É certo, tem sido sugerido que o facto de o actual Secretário de Estado das Obras Públicas, Sérgio Monteiro, ter sido, há uns anos atrás, justamente o representante deste mesmo consórcio financeiro nas negociações deste mesmo contrato não ajuda muito a posições de firmeza do Governo. Mas, se é assim, num Ministério da Economia onde o que não falta são membros do Governo, deveria ser possível – e se calhar conveniente – entregar este assunto a outro Secretário de Estado. Algum há-de haver que não tenha estado ligado aos interesses dos bancos.
Seja como for, assim é que as coisas não podem ficar e compete evidentemente ao Governo encontrar uma solução para este impasse, que já se arrasta há demasiado tempo. É isso que todos os partidos políticos representados na Assembleia da República, da oposição e da maioria, decidiram esta semana, em resoluções convergentes, recomendar ao Governo: que tome, com urgência, as medidas necessárias a garantir a conclusão das obras do Túnel do Marão. O próprio PSD, depois de tanto esperar pelas promessas sempre adiadas do ministro da Economia, perdeu a paciência e pede agora ao Governo que “ponha termo a esta situação de indefinição insustentável, que não se compadece minimamente com a salvaguarda do interesse público e do dinheiro dos contribuintes”. De facto, este Governo é de perder a paciência. E o resultado é este: ao fim de quase dois anos, não há sequer notícia de luz ao fundo deste túnel.
Artigo publicado no Diário Económico