Há pouco mais de um ano, PSD e CDS, ansiosos de chegar ao poder, não hesitaram em atirar o país para uma irresponsável crise política (mesmo sabendo que isso iria sujeitar Portugal a um pedido de ajuda externa…) em nome de uma ideia política muito sedutora: não aumentar mais os impostos.
Chega a ser caricato ter de recordá-lo hoje, mas a verdade é que foi esse o argumento fundamental para a rejeição do PEC IV e foi esse o mote da animada campanha eleitoral dos partidos da direita, que tanta gente levou ao engano.
Sabemos o que aconteceu depois: chegados ao poder, PSD e CDS aumentaram brutalmente todos os impostos e fizeram-no muito para lá do que estava previsto no Memorando inicial da “troika”: inventaram a sobretaxa extraordinária do IRS, equivalente a metade do subsídio de Natal de 2011; decidiram aumentos astronómicos do IVA, incluindo nos sectores da restauração e da energia (visando alcançar um aumento da receita do IVA cinco vezes superior à prevista no Memorando!) e, além do mais, confiscaram abruptamente salários e pensões de funcionários públicos e reformados, em grosseira violação dos princípios constitucionais da equidade e da proporcionalidade.
É em cima de tudo isto, que não é pouco, que este mesmo Governo PSD/CDS – para responder ao seu falhanço nas metas da execução orçamental deste ano – se propõe promover, no Orçamento para 2013, o que o próprio Governo já qualificou como um “enorme” (!) aumento de impostos, incidindo agora com especial violência no IRS e no IMI.
Talvez porque já ninguém acredita que a actual liderança do PSD esteja sequer interessada em honrar as suas promessas, as atenções centram-se no CDS. O que não deixa de ser revelador: ao que parece, ao fim de quase ano e meio de governação desastrada, ainda há quem espere do CDS o que já não espera do PSD. Afinal, o CDS proclamou-se como “partido do contribuinte”, combateu sempre o aumento da carga fiscal e, ainda há pouco, o próprio líder do CDS, em carta dirigida aos militantes, afirmou solenemente, preto no branco, que “o nível de impostos já atingiu o seu limite”. A pergunta torna-se, pois, incontornável: como é que alguém que, ainda há poucas semanas, disse que o nível de impostos “já atingiu o seu limite”, pode conviver agora com este “enorme” aumento de impostos? A resposta é tão incontornável como a pergunta: não pode. E Paulo Portas sabe-o melhor do que ninguém.
Passou talvez despercebido o que o líder do CDS disse há dias, quando perguntado pelo manifesto incómodo do partido com o rumo da política orçamental do Governo. Por entre juras de patriotismo e de sentido das responsabilidades, o que Paulo Portas garantiu foi isto: “não deixarei o CDS sem identidade”. E é isso, verdadeiramente, o que está em jogo: a identidade do CDS. E que não haja ilusões: a identidade do CDS como “partido do contribuinte”, se acaso ainda pode ser salva, não o será, certamente, se aceitar, para lá de todos os limites, este “enorme” aumento de impostos (mesmo que o CDS possa exibir, no fim do braço-de-ferro no seio do Governo, a magra compensação de se manter a cláusula de salvaguarda nos aumentos do IMI).
Quer isto dizer que o CDS está num beco sem saída? De modo nenhum. O beco em que está o CDS é, sem dúvida, estreito: tendo provocado a crise política no ano passado e forçado o pedido de ajuda externa, o CDS não pode agora, de um momento para o outro, deixar o país sem Orçamento e sem Governo. Mas tem forma de o fazer, sem perder de vez o que ainda resta da sua identidade. Afinal, todos os becos têm pelo menos uma saída: aquela por onde se entrou. É tudo uma questão de querer sair.
Artigo publicado no Diário Económico