Concentrando-se esta segunda-feira às portas dos centros de investigação e das Universidades de todo o País para 5 minutos de respeitoso silêncio, a comunidade científica portuguesa prestou uma justa e impressionante homenagem a Mariano Gago, o ministro socialista que mudou a face da Ciência em Portugal (vd. www.marianogago.org/).
A dimensão do salto qualitativo operado no nosso panorama científico foi assinalada de forma sugestiva pelo próprio Mariano Gago numa entrevista que deu ao Diário de Notícias ainda como Ministro (5-12-2010) e que vale a pena reler. Disse ele, em jeito de balanço: “as pessoas, num país tradicionalmente atrasado, associavam investigação ao que vinha de fora, ao que se importava”, todavia, “a experiência mostra que, ao contrário do que se imaginava há 20 ou 30 anos, foi possível transformar um país que nunca tinha tido ciência do ponto de vista significativo, na idade moderna, num país científico. E foi possível fazê-lo muito rapidamente”.
Os sinais desse progresso são evidentes e desmentem categoricamente a estafada cantilena miserabilista que nos fala de uma suposta “década perdida”. Como disse Mariano Gago, “Se há 30 anos podia ser difícil de ver, hoje é difícil não ver”. Efectivamente, nem mesmo uma considerável dose de miopia pode escamotear o que todos os estudos mostram: Portugal é o país europeu que mais progrediu em termos de indicadores de ciência dos últimos 20 anos.
A política científica de Mariano Gago aumentou para níveis europeus o investimento público e privado em investigação e desenvolvimento; permitiu o aumento significativo do número de investigadores e das bolsas de investigação, da produção científica, do registo de patentes, da criação de empresas de base tecnológica e mesmo da incorporação de valor nas nossas exportações, alcançando uma balança tecnológica positiva; promoveu a internacionalização da comunidade científica com importantes parcerias de excelência e novos projectos, como o Instituto Ibérico de Nanotecnologia; valorizou o mérito e assegurou uma avaliação independente e internacional das instituições; fez a reforma dos Laboratórios do Estado e difundiu amplamente a cultura científica, criando o Programa Ciência Viva, expandindo as suas iniciativas e a sua rede de centros, incluindo o Pavilhão do Conhecimento.
Mariano Gago soube sempre ver mais longe e confrontar o sistema científico com novas metas e novas ambições, desde o seu “Manifesto para a Ciência em Portugal” ao seu “Compromisso com a Ciência”. E quando teve essa oportunidade, não deixou de articular a ambição para a Ciência com a ambição de reforma do ensino superior, concluindo o processo de Bolonha, promovendo a reforma do sistema de governo das instituições, reforçando a democratização do acesso e, sobretudo, estruturando um Contrato de Confiança orientado para o aumento do número de licenciados e de doutorados, para que o país pudesse recuperar o seu atraso ao nível das qualificações.
Ele próprio um cientista de méritos reconhecidos, com doutoramento no prestigiado Laboratório Europeu de Física de Partículas (CERN), Mariano Gago foi um militante da causa da Ciência mas também da ambição de um país mais moderno, em rota de colisão inevitável com a persistente galeria dos velhos do Restelo. Como ele próprio explicou: “Considero-me um cientista. Sou um político no sentido em que o fui, desde a minha juventude, por obrigação e por raiva. Foi por isso que fui dirigente estudantil, em Lisboa (…). Por raiva contra a ditadura, a Guerra Colonial, a miséria social, a censura. Contra aquilo que manifestamente não queríamos! Não sou uma pessoa de partido, não investi nesse sector.
Toda a minha vida foi vida profissional e, a certa altura, intervim – mais uma vez também por raiva – na política científica nacional para procurar ajudar a desenvolver o País”. Foi por perceber a centralidade decisiva das políticas públicas no processo de desenvolvimento científico que Mariano Gago aceitou ser militante da causa da Ciência nos Governos de António Guterres e de José Sócrates. E explicava: “É uma ilusão pensar que com governos contra as ciências é possível fazer desenvolvimento científico”.
O desenvolvimento científico de Portugal deve-se, sem dúvida, à visão e ao dinamismo de Mariano Gago. Mas deve-se, também, à continuidade das suas políticas. Como ele próprio disse, sempre na mesma entrevista, “o essencial na política científica é não haver recuos, e haver uma estabilidade política e científica ao longo dos anos”. E acrescentou: “Há um gráfico muito interessante que mostra não os orçamentos mas a despesa real, efectiva, medida pelos inquéritos ao potencial científico em Portugal.
E há apenas, nas últimas décadas, dois pontos de quebra: no segundo Governo de Cavaco – não no primeiro, que é um período de expansão – e imediatamente a seguir ao período do engenheiro Guterres; portanto, na entrada do Governo PSD-CDS”. Infelizmente, desde essa entrevista de 2010, as políticas mudaram e os pontos de quebra são agora três. O que só confirma a ideia que obrigou aquele cientista militante a dedicar-se à política: “É uma ilusão pensar que com governos contra as ciências é possível fazer desenvolvimento científico”. Era, sem dúvida, o melhor de todos nós.
Artigo publicado no Diário Económico