Foi com sonoras declarações de protesto e indignação que foi recebida a recente decisão da Standard and Poor’s de baixar, de uma assentada, o ‘rating’ de 9 países da zona euro – incluindo Portugal (em dois níveis, para “lixo”) – e de tirar o ‘rating’ AAA à França e à Áustria, bem como ao próprio Fundo Europeu de Estabilidade Financeira.
Um arraso. Por cá, o Ministério das Finanças não se conteve e emitiu mesmo, no próprio dia (sexta-feira 13), um comunicado fortemente crítico para aquela agência de ‘rating’, argumentando contra ela e acusando-a de ter tomado uma decisão “infundada” e cheia de “inconsistências”.
Pelos vistos, já lá vai o tempo em que não se podia criticar as agências de ‘rating’ e muito menos “insultar” os mercados, negando a racionalidade das suas respostas e denunciando a sua manifesta captura pelos interesses da especulação financeira. Isso era dantes, noutro tempo, quando o Governo era outro. Era o tempo em que a palavra das agências de ‘rating’ devia ser vista como a luz do farol na noite escura dos mercados. E era o tempo em que a maior crise internacional dos últimos oitenta anos se resumia, afinal, a um simples “abalozito de terras” ou em que a própria crise das dívidas soberanas era culpa das políticas nacionais erradas e nunca, jamais, em tempo algum, uma crise sistémica da zona euro.
Diz o povo, “não há mal que sempre dure, nem bem que nunca acabe”. Agora, subitamente, a crise passou a ser “internacional”, passou até a ser “do euro” e – vejam só! – tornou-se “sistémica”. Quanto às agências de ‘rating’, nem é bom falar: suspeitas de uma tenebrosa conspiração contra o euro a soldo de obscuros interesses norte-americanos, passaram a distribuir “murros no estômago” a torto e a direito e a tomar – imagine-se! – decisões “inconsistentes” e “infundadas”! É extraordinário como, mudado o Governo, mudou tão subitamente para muitos a compreensão da crise que enfrentamos!
Vale a pena sublinhar, porém, o primeiro de todos os argumentos invocados pelo Ministério das Finanças para criticar a decisão da Standard and Poor’s de baixar o ‘rating’ de vários países da zona euro. Diz o Ministério das Finanças, logo a abrir o seu comunicado, que a decisão corresponde a uma “quebra metodológica significativa”, na medida em que “a S&P parece ter substituído a sua análise individualizada por país por uma análise sistémica baseada na área do euro”, o que conduz a avaliações que não reflectem adequadamente “as realidades nacionais”.
Para o Governo há, portanto, um problema de “método”: a S&P é criticada por baixar o “rating” de Portugal e de vários outros países em função de uma “análise sistémica” referente à “área do euro”. É difícil imaginar pior razão para fundamentar a crítica. O que a S&P questiona, em primeira linha, é a insuficiência das respostas europeias à crise e a sua insistência numa austeridade que a agência considera cada vez mais “contraproducente”, com consequências que atingem a “área do euro” no seu conjunto – e cujo impacto se reflecte nos ‘ratings’ a atribuir. E esta é uma análise absolutamente certeira: a resposta europeia tem estado manifestamente aquém do necessário. Melhor faria o Governo em invocar esta análise em defesa de uma resposta diferente e mais equilibrada da zona euro a esta crise, em termos que melhor sirvam os interesses nacionais e os interesses do projecto europeu.
Mas não. Sempre fiel à doutrina Merkel, o Ministro das Finanças resolveu escrever no mesmo comunicado exactamente o contrário: as decisões tomadas na cimeira do euro, diz ele, “abrem caminho ao desenvolvimento dos mecanismos necessários para superar a crise” e “assegurar o regresso a uma trajectória de crescimento e de criação de emprego na área do euro” (sic).
Este “discurso do método”, perfilhado pelo Ministro das Finanças, não é só o sinal de uma dúvida metódica quanto à verdadeira natureza sistémica desta crise. É pior do que isso: é o sinal claro de uma filosofia errada.
Artigo publicado no Diário Económico