Ao fim de dois anos de Governo de direita, há um largo consenso quanto a um balanço simples e triste: o País está hoje pior do que estava. O que falta acrescentar é que este falhanço prova que Passos Coelho cometeu um duplo erro de julgamento:
enganou-se, primeiro, ao provocar a crise política que empurrou Portugal para a ajuda externa e enganou-se, depois, ao escolher a austeridade “além da ‘troika'” que arrastou a economia para uma terrível espiral recessiva. E ao enganar-se, enganou o País. Com as consequências que estão à vista.
O primeiro erro de julgamento de Passos Coelho foi o de, na ânsia de chegar ao poder, ter desvalorizado as consequências de provocar uma crise política e de empurrar o País para a ajuda externa. Não é que Passos Coelho desconhecesse essas consequências – como já aqui provei, o líder do PSD sabia que um pedido de ajuda externa, em condições análogas às da Grécia e da Irlanda, deixaria Portugal, como ele próprio disse, numa posição em que “daqui a dois ou três anos não estaria em condições de cumprir” (Lusa, 10-2-11). Mas a verdade é que quando a oportunidade surgiu, entre o País e o poder, Passos Coelho escolheu o poder: desprezou o apoio do BCE ao PEC IV, provocou a crise política (dizendo-se contra o aumento dos impostos) e ficou à espera da ‘troika’ – e dos votos. Foi por essa altura que começou a ver na ajuda externa vantagens que até então lhe tinham passado despercebidas, sobretudo como ocasião para diabolizar o PS e implementar a sua agenda ideológica neoliberal contra o Estado. Com Durão Barroso na Comissão Europeia, António Borges no FMI e Eduardo Catroga na mesa das negociações, não surpreende que tenha exultado com o programa da ‘troika’ e que o tenha adoptado como o seu programa. Agora que falhou, é altura de lembrar que foi Passos Coelho que quis assim.
O segundo erro de julgamento de Passos Coelho respeita à condução da governação e consiste em ter consentido a Vítor Gaspar a loucura de uma “austeridade além da ‘troika'”, que arrastou Portugal para uma grave espiral recessiva. Na sétima avaliação, ao mesmo tempo que revelava _o falhanço de todas as suas previsões e dava conta da necessidade de medidas adicionais, o ministro das Finanças gabava-se de ter aplicado o dobro (!) da austeridade prevista no Memorando inicial da ‘troika’ – sem nunca lhe ocorrer que uma coisa talvez tivesse que ver com a outra. E sem que nunca Passos Coelho desse sinais de se lembrar que tinha prometido aos portugueses uma estratégia de combate às “gorduras do Estado” _e não uma estratégia de empobrecimento das famílias e do País.
Os indicadores traduzem com clareza as consequências desastrosas deste duplo erro de julgamento. A economia, que em 2010 cresceu 1,9%, está atolada, pelo terceiro ano consecutivo, numa grave recessão, registando uma queda de 4% no 1º trimestre deste ano. _O desemprego, que era de 12,1% quando o Governo tomou posse, disparou para os 17,8% no passado mês de Abril (945 mil desempregados) e em breve chegará aos 19%.
A redução do défice, apesar da austeridade e dos sucessivos orçamentos rectificativos, falha todas as previsões. E a dívida pública, que era de 94% do PIB em 2010, já vai nos 127%. Apesar da propaganda, todos sabem que a revisão das metas acordada com a ‘troika’ não se deve à “credibilidade reconquistada” mas sim à necessidade de acomodar os constantes falhanços do ministro das Finanças; a melhoria nas contas externas não traduz um saudável ajustamento estrutural da economia mas sim a redução conjuntural das importações imposta pelo impacto do empobrecimento na procura interna e a redução dos juros nos mercados financeiros reflecte mais a intervenção do BCE do que a confiança numa dívida pública que continua classificada como “lixo”.
Não há volta a dar: dois anos depois, o País está hoje pior do que estava. E vai continuar a piorar enquanto não se puser travão a isto.
Artigo publicado no Diário Económico