Apesar da propaganda do Ministério das Finanças, os números da execução orçamental no primeiro trimestre confirmam que o Orçamento de Vítor Gaspar mais parece um queijo suíço, com buracos por todo o lado.
Como o próprio Governo reconheceu, o esforço de consolidação orçamental previsto no Orçamento para 2013 assenta em 80% no lado da receita, em resultado do “enorme aumento de impostos” decidido pela coligação PSD/CDS. Assim sendo, é óbvio que este ano o cumprimento da meta de redução do défice depende, em larguíssima medida, do acerto das previsões de Vítor Gaspar quanto à evolução da receita fiscal. O problema, porém, é o mesmo de sempre: os números da execução orçamental mostram que Vítor Gaspar se enganou outra vez.
Vejamos. No caso do IRS, Vítor Gaspar tinha inscrito no Orçamento, para o conjunto do ano, um crescimento da receita de 30,7% mas a verdade é que essa receita cresceu, no primeiro trimestre, a um ritmo muito inferior, de apenas 22,6%. Quanto ao IRC, a previsão para este ano, segundo o Orçamento de Gaspar, era um aumento da receita de 3,9% mas os dados da Direcção-Geral do Orçamento mostram que a receita não está a subir, está, isso sim, a descer e bastante: 10,8%. Finalmente, a receita do IVA, pelos cálculos de Gaspar, deveria subir, no conjunto do ano, 2,2% mas a realidade diz o contrário: a receita do IVA não está a subir mas sim a descer 0,6%.
Em suma, fechado o primeiro trimestre, verifica-se que as receitas fiscais estão a crescer apenas 5,2% quando o Orçamento de Vítor Gaspar foi feito pressupondo um aumento da receita fiscal de 10,2% – ou seja, de quase o dobro! Não adianta ignorar a realidade: Vítor Gaspar enganou-se mesmo. Outra vez. E o Orçamento Rectificativo promete ser, realmente, extraordinário.
Por estas e por outras, entrou já no anedotário nacional a ideia de que “o ministro das Finanças não acerta uma”: nem previsões, nem políticas, nem metas, nem resultados. Mas o mais importante é perceber que os erros sistemáticos de Vítor Gaspar são filhos de um erro sistémico: a incapacidade total para compreender a natureza desta crise e a crença cega nas virtudes de uma política radical de austeridade, ao serviço de um preconceito ideológico neoliberal contra o Estado.
Que se trata de uma crença, embora travestida de verdade científica, mais ainda do que os escandalosos erros nas folhas de Excel, provam-no as intermináveis surpresas confessadas ao longo destes dois anos por Vítor Gaspar: a surpresa de Gaspar com um ajustamento “mais rápido do que o esperado”; a surpresa de Gaspar com queda abrupta da procura interna; a surpresa de Gaspar com o aumento brutal da taxa de desemprego; a surpresa de Gaspar com uma recessão que é o dobro do previsto; a surpresa de Gaspar com a queda das receitas fiscais; a surpresa de Gaspar com os desvios nas metas do défice e da dívida pública e, mais do que tudo, a surpreendente surpresa de Vítor Gaspar com o facto de as políticas de austeridade terem arrastado a zona euro para uma nova recessão. Tanta surpresa só pode ser sinal de pouca Ciência.
A verdade é que as políticas de austeridade radicais, que o Governo de Passos Coelho tem vindo a prosseguir muito para além da ‘troika’, estão a matar a economia e a lançá-la numa perigosíssima espiral recessiva, sem se sequer cumprirem o desígnio de assegurar a sustentabilidade das contas públicas. Esta semana, aliás, o Eurostat confirmou que, no final de 2012, muitos sacrifícios depois, o défice em Portugal estava ainda em 6,4% do PIB e que a dívida pública, em vez de baixar, subiu para os 204 mil milhões de euros, atingindo uns impensáveis 123,6% do PIB. Dito de outra forma: só nestes últimos dois anos, a dívida pública portuguesa aumentou 27,6 p.p., ou seja, 42 mil milhões de euros! Gaspar, é claro, deve estar surpreendido.
Artigo publicado no Diário Económico