O Orçamento para 2015 chumbou com estrondo no teste da credibilidade: não há ninguém, em Portugal ou no estrangeiro, que acredite nas contas do Governo. Mas é preciso perceber a razão de fundo, que é tremenda: já não é possível continuar a disfarçar o fiasco do ajustamento.
A Comissão Europeia diz que os cálculos da Ministra das Finanças estão errados e prevê que o Governo falhe por muito a meta do défice, que deverá ficar afinal bem acima dos 3%, violando os compromissos assumidos. O BCE confirma. E se o FMI discorda é apenas porque acha que será ainda pior: antecipa para 2015 um défice “marcadamente superior” ao do Governo (3,4% do PIB) e avança que, por este andar, nem em 2016 teremos um défice abaixo de 3%. Até o caseiro e sempre prestável Conselho das Finanças Públicas, órgão criado para validar a credibilidade do exercício orçamental, desta vez não conseguiu evitar dois “pequenos” reparos: não acredita no corte da despesa e não acredita na estimativa das receitas. E todos, incluindo a UTAO e o Conselho Económico e Social, liderado pelo social-democrata Silva Peneda – esse famigerado cabecilha da “brigada do resgate” – parecem concordar nisto: o cenário macroeconómico em que assenta todo o Orçamento é uma pura fantasia. A saraivada foi de tal ordem que, antes ainda deste Orçamento ser votado, a Ministra das Finanças já teve de admitir “ajustar” o ajustamento.
Seria um erro, todavia, resumir as divergências a um mero problema contabilístico quanto ao rigor na estimativa das receitas ou das despesas. O que está em causa e resulta das análises da Comissão Europeia, do BCE e do FMI é um duplo problema muito mais fundo: o falhanço na redução estrutural da despesa e o falhanço no ajustamento estrutural da economia. Em suma, o fiasco do ajustamento e o fracasso da política de austeridade. Bem vistas as coisas, o empolamento das receitas em que se baseia a previsão irrealista do défice, vigorosamente denunciada pelas instituições internacionais, destina-se a compensar a incapacidade do Governo para operar a prometida consolidação orçamental pelo lado da despesa, cumprindo a sempre adiada agenda de reformas estruturais e de corte nas “gorduras do Estado”. Por outro lado, o facto de termos um (escasso) crescimento económico suportado não pelas exportações (que perdem força à medida que se vai esbatendo o valor económico acrescentado dos projectos industriais lançados ainda pelo Governo socialista) mas pela procura interna (implicando o crescimento das importações e dos tradicionais desequilíbrios externos) desmente de forma eloquente a fantasia da “transformação estrutural” da economia portuguesa, que o Governo andou a alimentar com a conivência da “troika”.
O desencanto das previsões de Outono da Comissão Europeia não diz apenas respeito a Portugal. Ao fim de três anos de austeridade, o crescimento económico, que já era baixo, é revisto em baixa, desfazendo a ilusão de uma retoma sustentável da economia europeia. E constata-se, não sem esconder alguma estranheza, que a procura interna ainda é o único motor que impede uma recessão generalizada. O falhanço da política de austeridade é geral. As palavras da Comissão Europeia dão que pensar: “A recuperação na União Europeia parece ser particularmente fraca, não apenas em comparação com outras economias avançadas mas também com os exemplos históricos de recuperações após crises financeiras”. Falta agora que a Comissão Europeia medite nas suas próprias palavras e tire daí as devidas conclusões. Mas não é certo que isso tenha acontecido. A única resposta que se encontra nestas previsões de Outono da Comissão Europeia ao apelo de Mario Draghi para uma mudança na política orçamental é esta: a actual política orçamental é “neutral”. Por outras palavras: não há problema, a austeridade acabou. Por outras palavras ainda: não perceberam nada.
Texto de opinião publicado no dia 7 de novembro na edição online do Diário Económico.