01.11.13

O guião eleitoral

Paulo Portas percebeu que já não valia a pena apresentar um verdadeiro guião da reforma do Estado. O que fez foi outra coisa: apresentou um guião para a campanha eleitoral. E já escolheu a mensagem: esta legislatura teve de ser má; a próxima é que vai ser boa.

Com a legislatura já em contagem decrescente e decididas que estão as medidas orçamentais de corte nos salários e nas pensões, Paulo Portas percebeu que já não valia a pena apresentar um verdadeiro guião da reforma do Estado.

O que fez foi outra coisa: apresentou um guião para a campanha eleitoral. E já escolheu a mensagem: esta legislatura teve de ser má; a próxima é que vai ser boa.

Falemos claro: o guião que o vice-primeiro-ministro apresentou não pretende orientar reforma nenhuma, nem suscitar qualquer debate sério. E muito menos visa promover um consenso com o Partido Socialista.

Se a ideia fosse orientar uma reforma, este documento não surgiria já na fase final da legislatura, repleto de ideias genéricas, sem medidas concretas nem calendários; se o propósito fosse suscitar um debate sério, não seria anunciado na véspera do início da discussão de um Orçamento cujas medidas são totalmente contrárias ao preconizado no guião; e se o objectivo fosse promover consensos, não dedicaria dezenas de páginas a agredir o Tribunal Constitucional e o Partido Socialista, ressuscitando até a questão, já resolvida, da constitucionalização da chamada “regra de ouro”.

O guião do dr. Paulo Portas, ninguém se engane, visa apenas desempenhar uma tripla função eleitoral: de justificação, de propaganda e de ilusionismo político.

Começa pelo exercício justificativo das “maldades” a que o Governo foi “forçado” em razão da emergência financeira, ora atribuindo ao PS a responsabilidade pelas causas do resgate e pela negociação do Memorando (omitindo, como sempre, qualquer referência à crise internacional e ao chumbo do PEC IV, bem como aos efeitos desastrosos da opção do Governo pela austeridade “além da ‘troika'”), ora atribuindo ao Tribunal Constitucional a responsabilidade pelo aumento dos impostos. Segue-se um longo exercício de propaganda, em que são registadas, a propósito e a despropósito, as medidas alegadamente “positivas” que o Governo diz ter tomado. E tudo termina com uma ideias confusas de moderada tonalidade liberal “para animar o debate”, para se chegar ao esperado grande final, por entre fogo-de-artifício, num deslumbrante exercício de puro ilusionismo político, bem ao jeito do vice-primeiro-ministro. Vejam só: o Governo propõe-se (embora sem calendário conhecido…) reduzir o IRS e “pagar melhor” aos funcionários públicos e aos pensionistas! Agora digam lá se o Governo não é bom?!

É esta visionária proposta “para o futuro” que o Governo quer debater com o País, desde já e até às eleições. Infelizmente, enquanto o debate não começa, deu entrada no Parlamento um Orçamento em que o Governo mantém o maior aumento de sempre do IRS (nada menos do que 30%!) e corta ainda mais nos salários e nas pensões.

Percebe-se: em vez de discutir as suas brutais medidas de austeridade, que se agravam no Orçamento para 2014, o Governo prefere centrar a discussão numa reforma do Estado imaginária. Mas há limites para o ilusionismo.

 
Artigo publicado no Diário Económico