Veio do Mali, passou pelo Burkina Faso, cruzou o Níger, chegou à Líbia de barco, mas foi em França que se tornou herói. Com impressionante destreza física e absoluta indiferença face a todos os riscos, Mamoudou Gassama trepou quatro andares num ápice para fazer o que parecia impossível: ir lá acima salvar a vida de uma frágil criança de quatro anos que estava desesperadamente pendurada do lado de fora de uma varanda de um prédio de Paris. As imagens, inesquecíveis, correram Mundo e o feito extraordinário deste imigrante em situação irregular conquistou de pronto o coração dos franceses. O presidente Macron nem hesitou: de imediato abriu a Mamoudou as portas do Eliseu e prometeu-lhe logo ali o melhor que lhe podia dar – a nacionalidade francesa.
Não deixa de ser curioso que este fantástico episódio tenha acontecido precisamente em França, a terra das mais inflamadas campanhas contra refugiados e imigrantes, apontados pela extrema-direita populista como verdadeiro “perigo público”, senão mesmo como criminosos ou terroristas. Mas a verdade é que foi exatamente aí, porventura no país onde se trava a mais dura batalha pelos valores humanistas na política de imigração e acolhimento dos refugiados, que este homem simples vindo lá dos confins de África deu uma lição de humanidade a todos os franceses – e ao Mundo.
Não é certo que todos tenham aprendido tudo o que o gesto heroico de Mamoudou Gassama tem para ensinar. Mas talvez a atribuição da nacionalidade francesa a este imigrante dito “ilegal”, que até ontem estava sob ameaça de ser escorraçado, leve pelo menos alguns a finalmente compreender que partilhamos com estes refugiados e imigrantes bastante mais do que às vezes parece. Porque se Mamoudou merece ter a nossa nacionalidade é, antes de mais, porque partilha a nossa humanidade. Um dia chegará em que o reconhecimento disso deixará de estar apenas ao alcance dos heróis.
Artigo publicado no Jornal de Notícias