Desde 2006, com o primeiro Governo Sócrates, as escolas do primeiro ciclo do básico passaram a oferecer obrigatoriamente às crianças o ensino do inglês nas suas actividades de enriquecimento curricular.
Saudada por pais e professores, a medida foi implementada com êxito e mereceu grandes elogios em diversos relatórios internacionais. Até que chegou o ministro Crato mais a sua firme orientação de caranguejo: andar para trás na escola pública.
A obsessão programática fundamental do ministro da Educação resume-se a uma ideia primária: desfazer o que os outros fizeram. Foi a essa tarefa mesquinha que Nuno Crato se dedicou, com notável afinco, desde o primeiro dia. E o certo é que a lista, mesmo incompleta, impressiona: em apenas dois anos, o ministro Crato acabou com o Programa Novas Oportunidades, acabou com o Magalhães, acabou com o Plano Tecnológico da Educação, acabou com a modernização do Parque Escolar, acabou com a avaliação dos professores, acabou com o limite de 28 alunos por turma, acabou com a oferta obrigatória de inglês no ensino básico e, é claro, acabou com o emprego de milhares de docentes. Mas se a lista do que o ministro desfez é extensa, já a lista do que fez é bastante mais modesta e não vai muito mais além do que a introdução de exames para as crianças do 4º ano do ensino básico – uma medida que acentua a nossa divergência com os sistemas educativos dos países mais evoluídos mas, em contrapartida, nos coloca a par de Malta. Compreende-se: é sempre mais fácil destruir do que construir alguma coisa.
O desinvestimento na escola pública cumpre, obviamente, um desígnio ideológico e articula-se com outras medidas, como o cheque-ensino, que visam o desvio de recursos públicos para o financiamento do sistema privado de educação. Mas o fim da oferta obrigatória de inglês no ensino básico mostra bem como o desinvestimento na escola pública é uma escolha com graves consequências, que implica um supremo desprezo pela mobilidade social e pela igualdade de oportunidades, indispensáveis a uma sociedade mais justa. E que, além do mais, evidencia uma deprimente falta de visão sobre a importância das qualificações no futuro do País.
Se há aposta que vale a pena neste mundo interdependente e nesta competitiva economia global é o ensino do inglês. Que as nossas crianças tenham contacto com a língua inglesa e iniciem a sua aprendizagem logo desde muito cedo é, sob qualquer ponto de vista, uma importante mais-valia, que potencia enormes ganhos no futuro. Mas isso, é claro, só pode interessar a quem se importe com o futuro – o que, manifestamente, não parece ser o caso do ministro da Educação.
Quase tão chocante, porém, como a medida do ministro contra o inglês no ensino básico, foi o sorriso cínico e a forma falaciosa como Nuno Crato ainda tentou disfarçar este retrocesso, alegando que as actividades de enriquecimento curricular, em que se insere o ensino do inglês, são elas próprias, já hoje, facultativas. Apesar deste esforço para nos levar ao engano, o ministro sabe bem que o seu despacho veio mudar tudo: a verdade é que a oferta de ensino do inglês era obrigatória em todas as escolas do primeiro ciclo do ensino básico e passou a ser facultativa. Dito de outro modo, as crianças perderam a garantia de acesso ao ensino do inglês no primeiro ciclo do básico. O ministro, com a imensa sabedoria do caranguejo, achará que está a fazer a educação andar para a frente. Mas nós bem vemos para onde ela vai.
Artigo publicado no Diário Económico