13.01.12

O papel

O papel, já se sabe, não era para ser tornado público. Mas foi. Qual papel? Obviamente, o documento reservado que o ministro das Finanças levou ao Conselho de Ministros informal de 16 de Dezembro e que alguém do Governo, talvez escandalizado, fez chegar a alguém que o fez chegar ao “Diário de Notícias”.

O que é que ficámos a saber? Essencialmente isto: o ministro das Finanças confessou ao Conselho de Ministros que tem no Orçamento que ele próprio elaborou para 2012 um enorme “desvio” face às metas do défice.

Segundo este papel do ministro das Finanças, são três as causas desse “desvio”. Em primeiro lugar, o cenário macro-económico está errado: a recessão vai ser pior do que os -2,8% previstos e por isso as receitas estão empoladas em pelo menos 170 milhões de euros (0,1% do PIB). Em segundo lugar, embora o ministro tivesse previsto desde Agosto que iria recorrer a uma volumosa transferência dos fundos de pensões da banca, não orçamentou (!!) para 2012 os encargos com estes pensionistas que transitam para a segurança social: faltam por isso no Orçamento mais 478 milhões de euros (0,3% do PIB). Em terceiro lugar, o ministro também não orçamentou o pagamento de dívidas dos hospitais E.P.E. aos bancos, as quais tenciona pagar com parte dos activos que os próprios bancos transferiram com os fundos de pensões (no quadro da lógica “toma lá, dá cá” que marca toda essa operação): vão aqui mais 1500 milhões de euros (0,9% do PIB).

Tudo somado, ainda antes de iniciada a execução orçamental de 2012, o ministro dos Finanças reconhece que o Orçamento que ele próprio preparou tem um desvio de 2.148 milhões de euros (cerca de 1,3 p.p. PIB), o que, se nada for feito, atira o défice de 2012 para os 5,8% do PIB – em vez dos 4,5% previstos! O problema, como qualquer pessoa compreenderá, é complicado. E o próprio primeiro-ministro, se mantiver o seu alto critério, não deixará certamente de reconhecer que o seu ministro das Finanças, com a forma como fez o Orçamento e negociou a transferência dos fundos de pensões, lhe arranjou um desvio verdadeiramente “colossal” para 2012.

Que pensa fazer o ministro? Segundo o mesmo papel, o ministro tenciona cobrir parte deste desvio gastando menos 225 milhões de euros com juros e obtendo cerca de 510 milhões de euros em receitas extraordinárias (concessões e vendas de património, que ainda há poucas semanas considerava “receitas irrealistas”). De onde nascem, de repente, estes 735 milhões (cerca de 0,4% PIB)? Em grande parte de rubricas em que o PS tinha indicado haver “folgas” no Orçamento. Fica assim provado, mais cedo do que se esperava, quem afinal tinha razão.

Sucede, porém, que estas verbas não chegam para cobrir todos os erros do Orçamento e todos os efeitos do acordo para a transferência dos fundos de pensões: ficam ainda por cobrir os referidos 1500 milhões de euros (0,9% do PIB). E é isto o que Vítor Gaspar reconhece no seu papel: se tudo correr tão bem como prevê o Governo (no que, aliás, poucos acreditam), o défice de 2012 atingirá os 5,4%, em vez de se ficar pelos 4,5% previstos no Memorando. E o ano ainda agora começou!

Diz o ministro que, de acordo com a última revisão do Memorando que o Governo negociou com a ‘troika’, este resultado não será considerado um incumprimento das metas do Programa de Assistência Financeira (visto que envolve, em parte, o pagamento de dívidas). Mas o problema é este: a bizarra gestão orçamental do Ministro das Finanças conseguiu arranjar um excedente desnecessário em 2011 e criar um perigoso “desvio colossal” em 2012! De facto, o défice de 2011 será de apenas 4%, ou talvez até menos; enquanto em 2012, mesmo com todas as medidas de austeridade, o défice a reportar ao Eurostat e aos mercados, em vez de descer, subirá para os 5,4%!

É a este sarilho que o ministro das Finanças chama, carinhosamente, “um desafio à comunicação”. Antes fosse.

 

Artigo publicado no Diário Económico