08.02.13

O regresso do TGV

Temos de reconhecer que o posicionamento da direita sobre o TGV tem sido de uma coerência irrepreensível: é sempre contra quando está na oposição e é sempre a favor quando está no Governo.

Em 2003, estava o País em “défice excessivo” e em recessão, Durão Barroso e Paulo Portas assumiram como prioridade cinco linhas de TGV, num investimento total de 12,5 mil milhões de euros e cabendo ao Estado suportar até 2,5 mil milhões. Nessa altura, a direita não achava o projecto despesista, nem queria travar o endividamento público ou canalizar o crédito para as PME. Pelo contrário, Durão Barroso invocava o “desígnio nacional” e estudos que garantiam que o TGV iria criar 90 mil empregos e fazer crescer o PIB em 1,7%.

Em Novembro de 2003, na Figueira da Foz, o Governo PSD/CDS acordou com Espanha quatro linhas de TGV: Porto-Vigo (a concluir em 2009); Lisboa-Madrid (2010); Aveiro-Salamanca (2015) e Faro-Huelva (2018). Para além disto, anunciou a linha Lisboa-Porto e acordou numa linha convencional para mercadorias Lisboa-Setúbal/Sines-Madrid (a concluir em 2008). Por Resolução do Conselho de Ministros de Junho de 2004 (ano em que também foi decidida a compra de 2 submarinos), o Governo aprovou todas aquelas infra-estruturas, especificando que a linha para Madrid e a linha para Salamanca, apesar dos custos acrescidos, seriam compatíveis com o transporte de mercadorias. E fixou em 2013 a data de conclusão da linha Lisboa-Porto. Projectos e calendários foram confirmados na Cimeira de Santiago de Compostela, em Outubro de 2004, já com o Governo Santana Lopes.

O Governo socialista, por muito que a verdade custe, achou tudo isto um exagero. Sem renegar os compromissos internacionais assumidos, reduziu o projecto TGV a duas únicas linhas (Lisboa-Madrid, que adiou para 2013 e Lisboa-Porto, que adiou para 2015) e suspendeu as demais (prosseguindo os estudos para Porto-Vigo). Mais tarde, face à crise financeira, suspendeu também a linha Lisboa-Porto, fazendo concentrar os fundos comunitários disponíveis para este projecto na ligação a Madrid (em formato compatível com o transporte de mercadorias), de modo a reduzir os encargos do Estado. Paralelamente, manteve o projecto Évora-Caia da linha convencional de mercadorias Sines-Madrid (em bitola ibérica mas com possibilidade de migração para a bitola europeia quando tal solução vier efetivamente a ser adoptada do lado espanhol).

Como se sabe, caiu o Carmo e a Trindade. Chegada à oposição, a direita, que antes queria cinco linhas de TGV, passou a achar que apenas uma seria “um projecto faraónico”. A sua campanha demagógica fez da única linha sobrante, a ligação Lisboa-Madrid, o exemplo acabado do despesismo “socialista”. E assim foi até que deixou de ser, isto é, até que a direita voltou ao Governo.

Depois da revelação feita pelo ministro das Finanças, o ministro da Economia bem tenta disfarçar, dizendo que não está prevista “qualquer iniciativa” para retomar o projecto até 2015. Mas as iniciativas do Governo não faltam: redefiniu (embora de forma ainda confusa) o conceito do projecto Lisboa-Madrid, agora no formato “alta prestação” e para o transporte de mercadorias; negociou esse conceito com Espanha e estabeleceu um calendário de conclusão (até 2018); por fim, requereu em Bruxelas uma reserva de financiamento comunitário para o projecto, a utilizar no período 2014-2020. Para iniciativa, não é pouco.

Entretanto, o financiamento bancário previsto para o troço TGV Poceirão-Caia, antes demonizado, passou a ser considerado virtuoso quanto às taxas de juro e às maturidades, reconhecendo-se que “na actual conjuntura não se obteriam condições financeiras similares”. Vai daí, o crédito contratado de 600 milhões de euros, em vez de ir para as PME, passou a ser bom para a Parpública e até já nem faz mal que se tenha de arranjar outro financiamento, em piores condições, quando for preciso negociar a ligação Lisboa-Madrid.

Cheguei a pensar tirar o moral da história quanto a este comportamento da direita sobre o TGV. Mas não lhe encontro moral nenhuma.

 

Artigo publicado no Diário Económico