16.10.17

O relatório de Pedrógão

O relatório sobre a tragédia de Pedrógão Grande merece ser lido com atenção. Trata-se de um contributo sério para tentar compreender o que aconteceu naquele dia de horror, apurar responsabilidades e, sobretudo, identificar o que deve ser feito para evitar ocorrências futuras. Não está à altura da gravidade do caso tresler o relatório na ânsia de atingir o Governo e obter uns miseráveis ganhos políticos de ocasião.

Ao contrário do que esperavam os mais ansiosos, o relatório não estabelece qualquer nexo de causalidade entre a intervenção da ministra da Administração Interna e a tragédia de Pedrógão. Defende, é certo, que, dadas as previsões meteorológicas, deveria ter sido antecipada a Fase Charlie por forma a assegurar o pleno funcionamento da rede de vigilância e uma maior prontidão dos meios. Mas em nenhum momento se diz que os meios se tornaram, por causa disso, insuficientes. Pelo contrário, a conclusão principal do relatório é a oposta: havia meios disponíveis que, por erro tático do comando operacional, não foram mobilizados quando o podiam e deviam ter sido, logo na fase inicial do incêndio. É o caso de um meio aéreo estacionado em Pombal e do Grupo de Reforço para Ataque Ampliado da Força Especial de Bombeiros, posicionado em Castelo Branco. Segundo o relatório, “a mobilização desta força em tempo útil poderia ter sido diferenciadora e ter contribuído de forma objetiva para a contenção do incêndio de Pedrógão”. O relatório admite que deveriam ter sido tomadas, igualmente, medidas imediatas de proteção civil mas, em abono da verdade, não resulta claro que medidas deviam ser essas, já que os autores do relatório referem, de forma contraditória, tanto a evacuação das aldeias como a recomendação para as populações permanecerem nas suas casas. Por outro lado, o relatório assinala que o 2.º comandante operacional nacional da ANPC mandou suspender, a partir de certa altura, o registo de ocorrências na chamada “fita do tempo” – o que é, obviamente, inadmissível.

Quanto ao mais, além de reparos de ordem estrutural que fundamentam diversas recomendações, o relatório desfaz uma série de ideias sobre a famosa “estrada da morte”: diz que não há evidência que permita associar as mortes à insuficiente limpeza das bermas; nega que a GNR tenha encaminhado quaisquer pessoas para essa estrada e, sobretudo, conclui que se o acesso à EN 236-I tivesse sido cortado “o desfecho teria sido provavelmente pior”. Quanto às tão faladas falhas do SIRESP, classifica-as como não determinantes da tragédia.

Embora confirme a ocorrência de condições climatéricas anormais, incluindo o fenómeno “downburst”, em termos que explicam uma velocidade de propagação do incêndio “quase sem paralelo na literatura referente a fogos em floresta”, o relatório não deixa de apontar falhas importantes no combate ao fogo, sobretudo na fase inicial. Só que, como é evidente, tais falhas não dizem respeito ao nível político, mas ao nível operacional. O seu a seu dono.

 

Artigo publicado no Jornal de Notícias