20.02.15

O segredo do Governador

Agitam-­se os interesses nos bastidores dos mercados financeiros com a apetitosa operação de venda do Novo Banco. Por incrível que pareça, o Governador do Banco de Portugal consegue falhar no único princípio que tem de fazer cumprir: o princípio da transparência.

As regras legais que regem o procedimento de alienação do Novo Banco, convém lembrá-lo, foram reduzidas a quase nada pela alteração legislativa de última hora que o Governador pediu ao Governo no próprio dia em que foi anunciada a resolução do Banco Espírito Santo, dando origem ao célebre Conselho de Ministros electrónico do domingo dia 3 de Agosto. Onde antes se previa um procedimento análogo à figura do concurso público limitado (com convites dirigidos, de forma transparente, às instituições autorizadas para exercer a actividade bancária para apresentarem, querendo, propostas de aquisição), passou a prever-se um procedimento quase totalmente discricionário por parte do Banco de Portugal. A lei que o Governador pediu, e o Governo prontamente aprovou, passou a dizer apenas, muito laconicamente, que o Banco de Portugal pode promover a alienação do capital social do Novo Banco ou dos seus activos “através dos meios que forem considerados os mais adequados” (v. artº 145º – I, do DL nº 114-B/2014, de 4 de Agosto). Para um negócio de milhares de milhões, que envolve dinheiros públicos e ameaça gravemente o equilíbrio e a solidez de todo o sistema financeiro, não está mal.

Uma única regra sobreviveu ao radicalismo deste inusitado “simplex”: a exigência de “transparência do processo”. Sucede que nem mesmo o princípio da transparência tem sido respeitado. Vejamos: é secreta a lista das 17 entidades que manifestaram interesse na aquisição do Novo Banco (só se conhecem as que confessaram esse interesse); são secretas as decisões já tomadas de exclusão de dois dos interessados e a fundamentação dessas decisões; é secreta a lista das entidades com quem terá sido celebrado um “acordo de confidencialidade” (não apenas sobre as informações relativas ao Novo Banco mas também sobre a própria operação de alienação!); é secreta a lista das 15 entidades que terão sido convidadas pelo Banco de Portugal para apresentarem propostas não vinculativas de aquisição do Novo Banco; e são secretas as próprias regras que regem a actual fase de apresentação de propostas não-vinculativas e a selecção dos potenciais compradores para a fase seguinte (o caderno de encargos assume que essas regras são descritas nas cartas-convite, também elas secretas). Por este andar, serão igualmente secretas as regras que hão-de regular as fases seguintes do procedimento, incluindo as que possam vir a densificar os critérios de avaliação das propostas (só muito genericamente enunciados no caderno de encargos) e a condicionar a decisão final. Pelos vistos, o senhor Governador está convencido de que o princípio da transparência se cumpre no dia em que, por gentileza, nos informar com quem resolveu fazer o negócio.

É certo, esta lei feita a pedido não regulou as implicações do princípio da transparência. E o “caderno de encargos”, publicado pelo Fundo de Resolução, sob mandato do Banco de Portugal, para além da mera proclamação de que o procedimento será organizado e conduzido de forma “aberta” e “transparente”, esqueceu-se de incluir uma única disposição destinada a garantir o respeito pelo princípio legal da transparência (em contraste com as imensas cautelas que teve no assegurar da confidencialidade da operação). Por essas e por outras, o senhor Governador estará talvez convencido de que, ao menos neste caso, a “transparência” é o que ele muito bem entender. Mas convém não abusar. No comunicado que assinala o fim da primeira fase do procedimento, datado de 31 de Dezembro de 2014, afirma-se que, “por motivos de confidencialidade”, o Banco de Portugal “não tornará pública nesta fase” a lista das entidades que manifestaram interesse na aquisição do Novo Banco. Assim, perante uma lei que impõe claramente a regra da transparência, o Banco de Portugal sobrepõe os seus superiores “motivos de confidencialidade”. O comunicado relativo à segunda fase do procedimento, de 16 de Fevereiro, vai na mesma linha: nenhuma transparência sobre as 15 entidades pré-qualificadas, dois parágrafos sobre a confidencialidade da operação. Com isto, duas fases do procedimento já lá vão. Ficam a faltar duas. Seguimos para bingo.

 

Artigo de opinião publicado no Diário Económico de 20 de fevereiro de 2015 e na sua edição online.