Ainda se viam no ar os foguetes coloridos do Governo para comemorar o apregoado sucesso do “ajustamento estrutural” da economia portuguesa e já o FMI estragava a festa reconhecendo no Relatório da 10ª avaliação que esse ajustamento não passa de uma ilusão.
Apanhado em falso, o Governo não gostou e discordou. Mas qual deles, Governo ou FMI, está em campanha eleitoral?
As palavras do FMI são absolutamente claras e dizem que o tão falado ajustamento externo, expresso na balança de mercadorias, tem sido conseguido, em larga medida, devido ao efeito conjugado da queda das importações – por força do empobrecimento – e do crescimento das exportações de combustíveis. E com isso deixa, sobretudo, um aviso: os ganhos conseguidos podem ficar em causa “assim que as importações recuperarem de níveis anormalmente baixos e as unidades de refinação eventualmente esgotem a sua capacidade extra”, sendo que a melhoria registada na exportação de serviços, designadamente no turismo, é também muito vulnerável a choques na procura.
O que tudo isto significa é muito simples para quem o queira entender: os resultados obtidos no ajustamento externo – o tão falado porta-aviões das exportações – não traduzem uma reforma estrutural da economia mas sim o efeito da queda brutal da procura interna, do contexto favorável no sector do turismo e, sobretudo, da entrada em funcionamento de um projecto lançado ainda no tempo do Governo socialista: a refinaria da Galp, em Sines.
Os números, aliás, são absolutamente claros: os combustíveis explicam quase 60% do aumento das exportações de mercadorias. E se excluirmos os combustíveis das exportações e das importações, a balança comercial de mercadorias seria afinal negativa e não positiva.
Houve – ninguém o nega – uma resposta positiva das empresas portuguesas que reforçaram em vários sectores a sua aposta nos bens transacionáveis. Isso é um facto. Como é também um facto positivo que a economia portuguesa dê finalmente sinais de recuperação, beneficiando de uma conjuntura externa menos desfavorável e tirando partido dos travões à política de austeridade impostos pelo Tribunal Constitucional. Ao contrário do que se pretende fazer crer, o Mundo não se divide entre os que se alegram com os bons resultados e os que se zangam com eles. Nem entre os que reconhecem o esforço dos portugueses e os que o menosprezam. Essa dicotomia primária é falsa e apenas serve para alimentar despiques parlamentares e políticos vazios de conteúdo e de sentido.
O que está em causa é outra coisa: é saber se o País aproveita esta oportunidade para convergir numa leitura realista da situação da economia portuguesa. Que reconheça os problemas e não que os disfarce. Que crie condições para novas respostas políticas e não que insista no erro desta política que assenta numa nota só: austeridade.
Nem adianta fingir: uma economia que sofreu três anos consecutivos de recessão, viu o desemprego disparar para 16% e regista uma dívida pública que galgou em três anos dos 94% para os 130% do PIB não está nem pode estar melhor do que estava. Não se insista, pois, na ilusão de um sucesso que ninguém vê e numa transformação estrutural da economia em que ninguém acredita. Faz mal o Governo em rejeitar o diagnóstico e faz pior em abusar da receita. Porque a fantasia já não engana ninguém. O Carnaval pode estar à porta mas a máscara já caiu.
Artigo publicado no Diário Económico