Ao nono dia de vigência do Orçamento para 2014, o Governo anunciou as medidas do primeiro orçamento rectificativo do ano. O que vem aí, como se previa, é mais do mesmo: contribuições agravadas sobre os pensionistas e os funcionários públicos.
Mas que ninguém se iluda: as medidas podem ser novas, o plano é o velho.
Agora que o Governo anuncia mais um pacote de medidas de austeridade sobre as pessoas, vale a pena revisitar os argumentos que o PSD usou em 2011 para justificar a crise política que forçou o pedido de ajuda externa e acabou por o levar ao poder. Esses argumentos constam da resolução que o PSD apresentou na Assembleia da República contra a aprovação do célebre PEC IV, onde se pode ler o seguinte: “Mais uma vez o Governo recorre aos aumentos de impostos e cortes cegos na despesa (…)”. A esse ímpeto laranja, em veemente protesto contra “qualquer aumento das contribuições”, não faltou sequer o colorido habitual na sua linguagem de combate: “Mantém a receita preferida deste Governo: a solução da incompetência. Ou seja, se falta dinheiro, aumentam-se os impostos”.
O CDS, por seu turno, fazia coro no protesto, erguendo bem alto a bandeira dos pensionistas, a quem se faziam juras de fidelidade irrevogável e a quem se prometia, com a maior solenidade, vistosas linhas vermelhas apontadas como intransponíveis.
Foi com base neste discurso panfletário que se construiu uma fantasia eleitoral, assente numa fantástica fórmula mágica: o corte nas detestáveis “gorduras do Estado”. Eduardo Catroga, coordenador do Programa eleitoral do PSD, explicava assim a coisa, já depois de conhecido o Memorando de Entendimento (divulgado no dia 3 de Maio): “Na reunião que tivemos com a “troika”, dissemos: basta de austeridade sobre as pessoas. Tivemos o PEC I, tivemos o PEC II, o PEC III com o corte de salários no Estado, corte de pensões e aumento de impostos.
Agora, é preciso austeridade no Estado, porque não aceitamos mais austeridade para as pessoas” (Público, 11-5-11). Foi em nome desta afirmação, tão categórica como demagógica, que se vendeu aos portugueses, para consumo eleitoral, um mirabolante plano de governação – o verdadeiro Plano A do Governo – que jurava apostar forte no corte nas despesas do Estado e no combate ao famigerado “Estado paralelo”, onde se dizia habitar um monstro horrível e insaciável. As pessoas, essas, podiam, finalmente, respirar de alívio e, por consequência, eram convidadas a votar tranquilamente no partido cujas setas até apontam para o céu. Ou, em alternativa, no outro cujas setas não apontam para lado nenhum.
Tudo isto, porém, foi antes das eleições. O que veio a seguir, foi bem diferente. Desde a primeira hora, o Governo da direita decidiu trocar as sedutoras promessas eleitorais dos partidos da maioria por uma estratégia económica de sinal absolutamente contrário: uma estratégia firme de empobrecimento. Empobrecimento do País e empobrecimento das pessoas. E tudo em nome de uma austeridade que se julgava expansionista. Foi aí – não foi agora – que nasceu o Plano B do Governo. E é esse plano que essencialmente se mantém, com estas ou com aquelas medidas.
Agora que os partidos da direita, uma vez que falta dinheiro para cumprir as metas do défice, reincidem no aumento das contribuições que tanto contestaram quando estavam na oposição, seria fácil recordar, com ironia, o que o PSD dizia do Governo anterior: “essa é a solução da incompetência”. Mas o que está em causa é sério demais para convidar à ironia: a insistência do Governo nesta sua estratégia de empobrecimento, que inapelavelmente revoga todas as promessas eleitorais, confirma um chocante desprezo pelos compromissos assumidos com os eleitores. E expõe toda a magnitude da fantasia eleitoral que foi vendida aos portugueses.
Artigo publicado no Diário Económico