Passos e Portas, qual dupla de artistas, preparam-se para encerrar em grande estilo mais uma campanha eleitoral feita de ilusões e enganos. Valeu tudo, até usar um crucifixo para invocar o nome de Deus em vão.
É certo, a conjuntura externa menos desfavorável – com a intervenção do BCE, a descida das taxas de juro, a desvalorização do euro e a redução do preço do petróleo – favoreceu consideravelmente a propaganda governamental e o empolamento de alguns indicadores, mas seria injusto menosprezar a fantástica encenação de uma melhoria estrutural da situação económica: precisamente por ser imaginária, é ainda mais merecedora de elevada nota artística.
Sucede que não votamos para atribuir o “prémio da propaganda” mas para o exercício de avaliar o Governo que tivemos e escolher o Governo que queremos ter, o que implica ponderar muito a sério as consequências políticas do nosso voto. E aí o que conta é a realidade. A realidade concreta da vida das famílias, das empresas, das instituições, dos serviços públicos, da sociedade e do Estado.
Indiferente à propaganda, a realidade não se cansa de enviar recados aos portugueses que vão ter a responsabilidade de votar no próximo domingo. Vejamos algumas das coisas que ficámos a saber nos últimos dias: que, depois de tanta austeridade e tantos sacrifícios, o défice de 2014 ficou nos 7,2% (!) e o défice do primeiro semestre deste ano derrapou para 4,7%, estando em vias de falhar a prometida meta de 2,7% e a consequente saída do procedimento de défice excessivo; que a venda do Novo Banco foi um fiasco e que a resolução do Banco Espírito Santo, promovida em conjunto pelo Banco de Portugal e pelo Governo, vai mesmo ter impacto no défice e na dívida e, é claro, terá custos elevados para os contribuintes; que as agências de “rating”, ao fim de quatro anos de Governo de direita e da tão propalada “recuperação da confiança”, continuam a valorar a dívida pública portuguesa como “lixo” (como fazem, aliás, desde o “chumbo” do PEC IV, em 2011); e que o desemprego tornou a agravar-se, atingindo agora os 12,4%, isto é, está pior do que estava quando este Governo iniciou funções.
Ontem, uma vez mais, a propaganda do Governo voltou a tropeçar na realidade quando foram divulgados os números da emigração – que, só por si, desmentem, de forma categórica, o cenário cor-de-rosa que Passos e Portas se esforçam por vender aos eleitores. Segundo os dados apurados pelo Observatório da Emigração (que o Governo, aliás, bem se esforçou por esconder), em 2014 o número de portugueses que tiveram de emigrar tornou a ultrapassar os 110 mil, tal como tinha sucedido no ano anterior (um número sem precedentes desde os anos 60-70). Se em vez deste levantamento do Observatório da Emigração, feito com base nas entradas de portugueses nos países de destino, tomarmos como referência os dados do INE sobre o fluxo de emigrantes permanentes e temporários, a conclusão é ainda mais assustadora. Vejamos: em 2011 emigraram 100 mil portugueses; em 2012, 121 mil; em 2013, 128 mil e em 2014, uns impressionantes 134 mil! É mais do que um Estádio da Luz cheio por ano!
A causa deste êxodo é conhecida: a desastrosa estratégia de empobrecimento, incluindo a loucura da austeridade “além da troika”, promovida pelo Governo de Passos e de Portas, que levou à destruição líquida de mais de 200 mil empregos em apenas quatro anos e forçou muitos jovens a emigrar. As consequências deste movimento migratório são tremendas e deixarão marcas por muitos e muitos anos: desde logo, a redução do potencial de crescimento do País (pela perda de capital humano, em boa parte qualificado) e a queda abrupta da natalidade, que diminuiu quase 20% em resultado destes quatro anos de políticas de direita objectivamente contra a família, caindo de 101 mil nascimentos em 2010 para apenas cerca de 83 mil nascimentos em 2014. Temos agora menos 18 mil nascimentos por ano do que tínhamos antes deste Governo!
Quem, sem se deixar enganar pela propaganda, achar que este caminho de empobrecimento e contínuo retrocesso económico e social não pode ser solução para o futuro do País, tem bom remédio. Não ficará em casa no domingo, nem desperdiçará o voto pelos pequenos partidos, premiando simpatias pessoais mas deixando ficar tudo como está. Votará para decidir quem ganha, quanto mais não seja por uma razão: porque não há outra maneira de decidir quem perde.
Artigo publicado no Diário Económico