Para o projeto europeu, o debate sobre o quadro financeiro plurianual pós-2020, que entra agora na sua fase decisiva, pode tornar-se uma questão de vida ou de morte. Conduzida até à beira do precipício pela Grande Recessão, pela crise das dívidas soberanas e do euro e pela política de austeridade, mas também por uma narrativa distorcida que pôs em confronto “santos” e “pecadores”, a União Europeia tem agora a oportunidade histórica de mostrar que aprendeu as lições da crise. Entre as tarefas inadiáveis conta-se a de dotar a Zona Euro da capacidade orçamental necessária para se defender da especulação nos mercados, responder aos choques económico-financeiros e retomar a ambição da convergência. A este imperativo vital acrescem novos desafios incontornáveis: segurança e defesa, controlo das fronteiras e acolhimento dos refugiados, alterações climáticas e transição energética – para referir apenas alguns. Ora, se queremos mais da União Europeia, é óbvio que temos de reforçar o orçamento da União.
Para complicar as coisas, o próximo quadro financeiro vai ser negociado no contexto do Brexit, isto é, não podendo contar com as volumosas contribuições do Reino Unido (salvo nalguns programas pontuais). Nestas condições, não há milagres: um reforço da capacidade orçamental europeia só pode ser conseguido por via do aumento das contribuições dos estados ou dos chamados “recursos próprios” da União – ou por ambas as vias, como defendeu o primeiro-ministro.
Naturalmente, quanto mais receitas forem conseguidas a nível europeu, menor terá de ser o contributo dos estados (leia-se, dos contribuintes). Faz, pois, todo o sentido que António Costa se tenha posto do lado dos que defendem novos impostos europeus sobre as transações financeiras, os serviços digitais e as emissões poluentes. O que não faz nenhum sentido é a posição totalmente demagógica do CDS: a favor de um reforço muito substancial do orçamento europeu (de 1,1 para 1,3% do PIB, segundo Assunção Cristas) mas contra, vigorosamente contra, a criação de novas receitas a nível europeu (Nuno Melo dixit). Como está bem de ver, vai nisto uma dupla incoerência: primeiro, porque o CDS, ainda não há muito tempo, no Governo e no Parlamento Europeu, apoiou expressamente a participação de Portugal numa “cooperação reforçada” para criar essa agora maldita taxa sobre as transações financeiras; segundo, porque a não existirem novas receitas a nível europeu quem vai ter de suportar por inteiro o pretendido reforço do orçamento são os contribuintes que o CDS diz querer proteger. A demagogia nunca é bonita e às vezes dá nisto.
Artigo publicado no Jornal de Notícias