08.11.13

Os números e o emprego

A redução, ainda que ligeira, da taxa de desemprego é sempre uma notícia agradável e é compreensível que o Governo a procure valorizar. Mas seria um erro embarcar na ilusão de ver nos dados divulgados esta semana pelo INE o contrário do que os números dizem.

Comecemos por anotar os factos e fazer o ponto da situação: segundo o INE, a taxa de desemprego no 3º trimestre de 2013 fixou-se nos 15,6% (bastante mais do que os 12,1% que se registavam quando o actual Governo tomou posse) e o número de desempregados é agora de 836 mil (mais 161 mil desempregados do que no final do Governo anterior). Quanto às pessoas com emprego, são agora 4,553 milhões (eram 4,893 no final do 1º semestre de 2011), o que significa que houve uma brutal destruição líquida de 340 mil postos de trabalho (!) em pouco mais de dois anos de política de austeridade “além da troika”.

Sobre o essencial, não há que ter dúvidas: a situação do emprego piorou, e piorou muito, com o Governo de Passos Coelho.
A questão que se coloca é a de saber se a descida da taxa de desemprego verificada no 3º trimestre deste ano, ainda que pequena (0,8 p.p. face ao trimestre anterior e 0,2 p.p. face ao trimestre homólogo), traduz ou não uma “viragem”, isto é, um sinal de efectiva recuperação da economia, materializado na capacidade de criação líquida de emprego.

Para responder a essa questão é preciso analisar os demais dados do INE que explicam a verdadeira razão desta descida na taxa de desemprego.
Comparando realidades comparáveis (trimestres homólogos), o que o INE nos diz dá que pensar: o 3º trimestre deste ano apresenta menos 32 mil desempregados do que o trimestre correspondente do ano anterior mas regista também menos 102 mil pessoas com emprego. Ou seja: se é verdade que há menos desempregados também é certo que há muito menos pessoas com emprego, o que quer dizer que a redução do número de desempregados se deu ainda num contexto de enorme destruição líquida de emprego na economia. A conclusão só pode ser uma: não foi a criação líquida de emprego, supostamente gerada por uma economia em recuperação, que fez reduzir em 0,2 p.p. a taxa de desemprego.

A explicação tem de ser outra.
Para compreender o que se passa no mercado de emprego é preciso atender aos dados também divulgados pelo INE que mostram, por um lado, o brutal impacto do fenómeno da emigração e, por outro, a situação daqueles que deixaram de contar para o número dos desempregados apenas porque desistiram de procurar emprego e por isso passaram a ser considerados “inactivos”. Na verdade, comparando os trimestres homólogos, o INE regista uma diminuição da população portuguesa total em cerca de 100 mil pessoas (no conjunto do ano de 2012, já se sabia, terão emigrado cerca de 121 mil portugueses). Por outro lado, a população “activa” diminuiu no mesmo período em 135 mil pessoas e a população “inactiva” aumentou em 68 mil pessoas. Mais: o número de “inactivos que desistiram de procurar emprego” aumentou astronomicamente em 57 mil pessoas num único ano (perfazendo já mais de 300 mil). Em suma, enquanto o número de pessoas que o INE contabiliza como desempregados diminuiu em 37 mil, o número daqueles que o mesmo INE passou a considerar “inactivos”, em especial inactivos porque “desistiram de procurar emprego”, aumentou muitíssimo mais.

A conclusão é clara: no essencial, a pequena descida da taxa de desemprego no 3º trimestre não resultou, infelizmente, do dinamismo da economia e da criação líquida de emprego no último ano (que não existiu – pelo contrário, houve uma destruição líquida de mais de 100 mil empregos) mas sim do efeito conjugado da emigração e da redução da população activa, esta última em boa parte explicada pelo facto de muitas dezenas de milhares de trabalhadores terem deixado de contar para os números do desemprego simplesmente porque desistiram de procurar trabalho (o que levou à sua reclassificação como “inactivos”). Esta conclusão não será tão agradável como as notícias pareciam à primeira vista. Mas tem a enorme vantagem de ser verdadeira.

 

Artigo publicado no Diário Económico