Aqueles que duvidavam da capacidade de Passos Coelho para se reinventar tinham razão: a cinzenta moção de estratégia apresentada pelo líder do PSD não pretende ganhar o futuro, mas sim ganhar o passado. O problema é que o passado já foi.
O desafio político colocado aos partidos da direita é conhecido: recuperar o imenso eleitorado perdido ao logo de quatro anos de brutal austeridade e promessas traídas. Sem recuperar a confiança desse eleitorado descontente, a direita não reconquistará a maioria absoluta. E sem maioria absoluta, não regressará ao poder. A questão está em saber como lá chegar – com que estratégia, com que programa e com que protagonistas.
A resposta do CDS a este difícil desafio foi lapidar: o futuro não pode ser ganho com a estratégia do passado, com o programa do passado e, menos ainda, com os protagonistas do passado. A pronta demissão de Portas foi o primeiro sinal de que o CDS percebeu bem a dimensão da tarefa. E os sinais seguintes confirmam que se trata de pôr de pé uma operação política de grande envergadura: revisão do posicionamento estratégico do partido, ruptura da coligação pré-eleitoral com o PSD, renovação da base programática e, acima de tudo, eleição de uma nova liderança, essencial para dar credibilidade a qualquer ideia de renovação. Uma coisa é certa: o CDS está a fazer o que pode.
Do lado do PSD, passa-se o contrário. Ali, tudo gira à volta de uma opção fundamental, diametralmente oposta: manter o mesmíssimo protagonista do passado. Feita essa escolha, o resto vem por acréscimo. E o resto, agora em forma de moção, é exactamente aquilo que seria de esperar: a estratégia do passado.
Passos Coelho dedica longas páginas do seu texto a defender-se a si próprio e ao seu Governo, o tal que já não existe: repete a narrativa estafada e deturpada da “pré-bancarrota”, discute a austeridade “além da ‘troika’”, renega a “estratégia de empobrecimento”, enaltece a saída limpa e, é claro, congratula-se com os resultados que diz ter alcançado. Depois, regressa a um debate que se julgava encerrado sobre a legitimidade do actual Governo, inconformado com o facto de o PS se ter mostrado “mais interessado em assumir-se como o futuro partido liderante do governo” do que, imagine-se, “empenhado em viabilizar o governo liderado pelo PSD” (sic). Quanto ao presente, contesta, saudoso, a reversão das medidas de austeridade e a política orçamental do PS, que consegue acusar de ser, ao mesmo tempo, imprudente e restritiva.
Quando, finalmente, chega a vez de falar do futuro, Passos Coelho começa logo por explicar porque é que tem pouco para dizer: “Não sentimos necessidade de criar com artificialismo um programa que, nas suas linhas essenciais, divirja do que ainda há menos de meio ano apresentámos aos Portugueses. As prioridades e os objectivos que se incluíam no programa que apresentámos para os próximos 4 anos não perdeu qualquer actualidade” (pág 8). Dito isto, que promete pouco, Passos mergulha de novo na defesa do seu governo, rejeitando a acusação de “direitismo” austeritário e procurando demonstrar porque é que o governo que mais atacou o Estado Social e queria até rever a Constituição para o fazer regredir ainda mais, foi, afinal, impecavelmente social-democrata. Ciente da missão de “recuperar o centro”, enuncia um vasto conjunto de princípios programáticos de índole social, antes de repetir, para o caso de alguém estar distraído, que “o PSD não sente necessidade de apresentar agora uma construção artificial que substitua o programa que trabalhou para apresentar ainda há pouco tempo ao país”. Quem esperava uma estratégia nova, um Passos reinventado, escusa de manter a ilusão.
Ainda assim, Passos Coelho não deixa de apresentar uma agenda requentada de generalidades, em que destaca uma prioridade maior: o combate à pobreza. E é aqui, evidentemente, que todo o exercício discursivo de Passos Coelho se torna verdadeiramente surrealista. Já não seria fácil convencer os eleitores descontentes mantendo o protagonista do passado ou reconquistar o centro insistindo no líder mais à direita da história do partido, agora travestido de social-democrata. Querer, além disso, apresentar o grande defensor da “estratégia de empobrecimento” no novo campeão do “combate à pobreza” é capaz de ser um bocadinho demais.
Artigo publicado no Diário Económico