06.12.13

Preto no branco

Está a tornar-se um hábito: desta vez foi o ministro da Defesa, Aguiar- Branco, que foi apanhado a mentir ao Parlamento e ao País sobre o caso dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo.

E o pior é que uma leitura atenta da comunicação da Comissão Europeia sobre as alegadas “ajudas de Estado” (Jornal Oficial da União Europeia, de 3-4-2013) mostra que a mentira de Aguiar-Branco é ainda maior do que parece.

Aguiar-Branco quis vender ao País, para consumo no combate partidário, uma versão panfletária sobre a situação dos Estaleiros: entre 2005 e 2011, garantiu ele, o malvado Governo anterior, para além de ter assegurado contratos para a construção de navios asfalteiros para a Venezuela, teria concedido aos Estaleiros de Viana do Castelo cerca de 182 milhões de euros de “ajudas de Estado” que a Comissão Europeia tinha considerado “ilegais”. Segundo o ministro, essa decisão da Comissão inviabilizou não só o cenário de reestruturação da empresa como também o próprio cenário de privatização, forçando a adopção do actual modelo de subconcessão dos Estaleiros a um privado (com prévia liquidação da empresa e despedimento de todos os trabalhadores).

Acontece que a comunicação da Comissão Europeia, publicada no Jornal Oficial, esclarece, preto no branco, que nada disto é verdade: nem a Comissão Europeia tomou qualquer decisão final sobre o assunto (exprimiu apenas dúvidas e conclusões provisórias, convidando Portugal a apresentar as suas observações), nem o Governo anterior concedeu 182 milhões de euros de alegadas ajudas de Estado. Mais: o documento da Comissão Europeia revela que foi o próprio Aguiar-Branco que, já em 2012, concedeu a maior parte (!) dessas ajudas, num valor de quase 102 milhões de euros. A Comissão vai até mais longe e revela que o ministro Aguiar-Branco lhe apresentou um pacote adicional de medidas de “auxílio à privatização”, de valor superior a 170 milhões de euros, medidas essas que, segundo a Comissão, “se implementadas na forma actualmente prevista”, configurariam igualmente “um auxílio estatal”. Tudo somado, o ministro Aguiar-Branco, que gosta de aparecer de dedo em riste, seria afinal responsável por um programa de mais de 270 milhões de euros de ajudas de Estado alegadamente ilegais aos Estaleiros de Viana do Castelo!

Mas o documento da Comissão Europeia contém duas outras revelações importantes que têm passado despercebidas. Em primeiro lugar, a Comissão revela que abriu o processo de investigação sobre as alegadas “ajudas de Estado” a 5 de Outubro de 2012, na sequência de um “breve memorando” que o actual Governo enviou informalmente para Bruxelas, por correio electrónico, dois dias antes, no dia 3. Segundo a Comissão, esse memorando versava “sobre as medidas estatais que procuram maximizar as receitas provenientes da privatização” dos Estaleiros. Quer dizer: é totalmente falso que a reestruturação da empresa tenha sido inviabilizada pelo contencioso sobre as ajudas de Estado. Pelo contrário, o processo relativo a este assunto só foi aberto em Bruxelas já depois de o Governo ter abandonado a reestruturação e optado pela privatização.

Em segundo lugar, a própria Comissão Europeia admite nesta comunicação que, em certas circunstâncias, os auxílios estatais até podem ser considerados compatíveis com o mercado interno mas para isso é preciso que o Estado-membro apresente “as possíveis razões da compatibilidade”, que neste caso apenas poderiam estar associadas à “reestruturação de empresa em dificuldade”. Sucede que a Comissão se viu obrigada a registar que as autoridades portuguesas “não forneceram quaisquer possíveis razões para a compatibilidade” com o mercado interno, nem “quaisquer elementos” que levem a considerar que estamos perante “um auxílio à reestruturação”. E percebe-se porquê: a verdade é que o Governo nunca quis reestruturar esta empresa pública. O que o ministro Aguiar-Branco apresentou em Bruxelas foi outra coisa: uma batelada de “auxílios à privatização”.

 

Artigo publicado no Diário Económico