Theresa May escolheu o dia, o terreno e as armas do duelo – mas nem assim ganhou como queria. A manobra política de May, antecipando escusadamente eleições, envolvia uma ambição confessa: arrasar de vez com o Partido Trabalhista e o seu líder, reforçar a maioria absoluta dos Conservadores e chegar em posição de força à mesa das negociações do Brexit. Em vez disso, Theresa May perde a maioria absoluta e fica na situação embaraçosa, quase humilhante, de ter de liderar um Governo minoritário, gravemente fragilizado e dependente dos unionistas irlandeses – que por acaso até discordam de Theresa May na questão central da governação: a estratégia para as negociações do Brexit. Poucas vezes uma vitória se terá parecido tanto com uma derrota.
A primeira-ministra britânica só pode queixar-se de si própria e da sua desastrosa campanha eleitoral, em que cometeu todos os erros do catálogo, desde o cruel “imposto sobre a demência” à falta de comparência no único debate televisivo entre os candidatos. Como se não bastasse, Theresa May foi ainda atingida pelos estilhaços do ataque terrorista na London Bridge, que permitiu ao líder da Oposição recordar o absurdo corte de 20 mil polícias nos últimos anos e deixou evidentes as falhas dos serviços de informações na perseguição dos suspeitos de ligações terroristas. Foi já em clima de total desnorte que Theresa May fechou a campanha admitindo a sua disponibilidade para “rasgar os direitos humanos” de modo a combater o terrorismo.
Em contrapartida, Jeremy Corbyn fez uma campanha surpreendente, quase sem falhas, que acabou por merecer um resultado bem acima das expectativas e que chega e sobra para consolidar a sua liderança. A certeira agenda social do manifesto eleitoral Trabalhista, centrada no combate à austeridade e na defesa dos serviços públicos e da igualdade, mas também dirigida aos problemas dos jovens, sobretudo universitários, permitiu ao Labour obter mais 3 milhões de votos, aumentar em 29 o número dos seus deputados e ficar apenas a 2% da votação nacional do Partido Conservador. Moral da história: as notícias que davam por certo o colapso da social-democracia eram manifestamente exageradas.
A história destas eleições, contudo, não se resume à relação de forças entre Trabalhistas e Conservadores. Se o bipartidarismo do sistema de partidos britânico sai claramente reforçado é porque a derrota mais clamorosa vai para o UKIP. Depois de ter liderado a campanha vitoriosa do Brexit, o UKIP não só não elege nenhum deputado como vê a sua votação cair de cerca de 13% para uns dramáticos 2%. Ouvido o povo, como manda a democracia, este ciclo eleitoral, que se anunciava ameaçador, confirma-se afinal, mais uma vez, como uma pesada desilusão para a extrema-direita populista – e como um renascer da esperança para o projeto europeu.
Artigo publicado no Jornal de Notícias
