15.02.13

Razoavelmente em linha

O Governo tentou desmentir a espiral recessiva mas a espiral recessiva encarregou-se de desmentir o Governo. Ao contrário das falhadas previsões de Gaspar, os números do INE não enganam: em 2012, a recessão em Portugal agravou-se para o dobro (-1,6% em 2011 e -3,2% em 2012).

O Governo tentou desmentir a espiral recessiva mas a espiral recessiva encarregou-se de desmentir o Governo. Ao contrário das falhadas previsões de Gaspar, os números do INE não enganam: em 2012, a recessão em Portugal agravou-se para o dobro (-1,6% em 2011 e -3,2% em 2012). E não vamos ficar por aqui. Ao que se percebe, o Governo, apesar de todas evidências, insiste em manter a sua opção por uma austeridade “além da troika” e isso, evidentemente, terá um preço: vamos para o terceiro ano de uma recessão profunda, sem precedentes na história da democracia portuguesa. Nunca aconteceu uma coisa destas.

Vale a pena consultar os registos. Desde a normalização democrática, em 1976, até à crise internacional de 2008-2009, Portugal viveu 4 anos de recessão económica: em 1983 e 1984 (no Governo do Bloco Central, com Mário Soares), em 1993 (com Cavaco Silva) e em 2003 (com Durão Barroso e Paulo Portas). Destes, o pior registo foi o alcançado por Cavaco Silva em 1993, com uma quebra de -2% do PIB. Depois disso, a economia portuguesa só voltou a recuar em 2009, durante a recessão global que por essa altura atingiu todos os países. Sujeita a condições externas anormalmente severas, a economia portuguesa caiu então -2,9% (estava Sócrates no Governo), para recuperar logo em 2010, ano em que já cresceu 1,9%.

Estes dados ajudam-nos a colocar em perspectiva a gravidade da situação actual: depois de já ter sofrido uma queda acentuada em 2011, a economia portuguesa caiu em 2012 mais do que em qualquer outro ano na história da democracia portuguesa, incluindo o ano da maior recessão global dos últimos 80 anos. E vai cair ainda mais. É obra!

Os efeitos desta situação sobre o emprego são dramáticos. Como revelou o INE esta semana, no último trimestre de 2012 a taxa de desemprego atingiu o valor impensável de 16,9%, furando a estimativa do Governo para a média anual de 2012 (que se fixou nos 15,7%, acima dos 15,5% previstos por Vítor Gaspar). Pior: este valor compromete desde já a previsão do Governo para a taxa média anual de desemprego de 2013 (16,4%), na base da qual foram calculados os encargos com subsídios de desemprego na elaboração do Orçamento deste ano.

Também aqui vale a pena consultar os registos. Convirá lembrar que ainda há pouco, em Junho de 2011, quando o actual Governo entrou em funções, a taxa de desemprego estava em 12,1%, contabilizando-se 675 mil desempregados. Agora, apenas um ano e meio depois, a taxa de desemprego disparou para os 16,9%, registando-se 923 mil desempregados. Nunca se viu nada assim: uma subida de 4,8 p.p. na taxa de desemprego e um aumento de 248 mil desempregados em apenas dezasseis meses!

O mesmo se diga do número de pessoas com emprego. Esse número era de 4893 mil em Junho de 2011 e passou para apenas 4531 mil no final de 2012. Contas feitas, a economia portuguesa registou uma destruição líquida de emprego de 362 mil postos de trabalho em apenas ano e meio!

Para espanto do País, o Primeiro-Ministro resolveu reagir a tudo isto com uma enervante tranquilidade, própria de quem não tenciona tomar nenhuma medida para enfrentar o problema: “isto ainda vai piorar”, garantiu ele, não fosse alguém embandeirar em arco. E acrescentou: está tudo “razoavelmente em linha” com as previsões do Governo. Só nos faltava mais esta: o comboio descarrilou e o maquinista não deu por nada.

 

Artigo publicado no Diário Económico