28.04.12

Revolução no discurso

38 anos depois, a manhã do dia 25 de Abril voltou a surpreender os portugueses com uma revolução – só que, desta vez, a revolução aconteceu no discurso do Presidente da República.

A coisa foi tão ostensiva que não podia passar despercebida. Ouvido este discurso tão optimista, é impossível não recordar que, com outro Governo, este mesmo Presidente usou as suas intervenções justamente para promover uma visão parcial, distorcida e negativa do País, em que chegou ao ponto de arquitectar a doutrina míope da “década perdida”. É impossível não recordar como tantas vezes desautorizou as tentativas de sublinhar o progresso que o País fez e como ele próprio se opôs, em momentos críticos, a que fosse contestada a avaliação negativa de Portugal injustamente feita pelas agências de ‘rating’ e pelos mercados capturados pela especulação financeira (com o argumento memorável de que “não se pode insultar os mercados”…). Tal como é impossível não recordar que, por muito menos (no tempo em que trabalhadores e pensionistas ainda recebiam o 13º e o 14 mês por inteiro…), este mesmo Presidente, em vez da pedagogia da consolidação orçamental, optou por fazer sonoras advertências sobre os limites para os sacrifícios exigidos aos portugueses – assunto que agora, vá-se lá saber porquê, não lhe ocorreu retomar.

Subitamente, numa manhã de Abril, parece que tudo mudou. O Presidente descobriu que existe lá fora “a intenção deliberada de fornecer um retrato negativo do nosso país, de evidenciar apenas uma parte da realidade”. Pior: descobriu (imagine-se!) que “essa percepção negativa é veiculada internamente, constituindo um factor de desmobilização dos cidadãos e prejudicando as expectativas dos agentes económicos”. Por sorte, o Presidente chegou agora também à conclusão, aliás muito oportuna, de que “corrigir a falta de informação ou até a desinformação que subsiste no estrangeiro” já não é vender ilusões, nem recorrer à ficção ou à propaganda. É, isso sim, e cito: “fornecer um retrato realista e positivo de Portugal”.

Perguntar-se-á: de onde veio este espírito positivo com que o Presidente espera agora mobilizar o ânimo dos portugueses e convencer o Mundo? Os argumentos apontados no discurso do Presidente poderão surpreender os espíritos mais sensíveis mas resumem-se nisto: as razões para acreditarmos no futuro residem no progresso que o País fez principalmente na última década – a tal que se dizia perdida!

Não resisto a recordar a enumeração do Presidente: a duplicação do investimento em Investigação e Ciência ao longo da última década e os progressos em número de diplomados, doutorados, centros científicos e tecnológicos e indicadores de produção científica; os exemplos de inovação e modernização tecnológica, incluindo em muitas empresas dos sectores tradicionais; os avanços no domínio energético, sobretudo nas energias renováveis; o dinamismo nas áreas da cultura, da arquitectura, das artes plásticas, da moda e das indústrias criativas; a afirmação do prestígio de Portugal, através da eleição para o Conselho de Segurança, das presidências portuguesas da União Europeia e do próprio Tratado de Lisboa.

Acredite-se ou não, até o próprio investimento em infra-estruturas foi elogiado pelo Presdiente quando registou que “no passado, soubemos dotar-nos de infra-estruturas necessárias e de qualidade” que agora nos destacam positivamente no confronto com outros Estados da União Europeia” e contribuem para que Portugal ofereça “condições competitivas para atrair o investimento estrangeiro”. Uma surpresa? Certamente. Mas as revoluções são mesmo assim.

 

Artigo publicado no Diário Económico