Foi apenas ontem que Barack Obama deixou de ser presidente e já sinto saudades. Não apenas porque Trump, como se confirmou no lamentável discurso de posse, é uma personagem grotesca e perigosa, que ameaça transformar a Casa Branca num reality show, mas, sobretudo, porque Obama é uma personalidade extraordinária e foi um dos melhores presidentes na história americana. O registo dos feitos alcançados por Obama é simplesmente impressionante – e ainda mais se tivermos em conta a obstrução sistemática da maioria republicana no Congresso.
No plano interno, Obama conseguiu uma recuperação notável da economia, que herdou devastada pela Grande Recessão. Obama deixa uma economia em forte crescimento, com o desemprego em níveis historicamente baixos (na casa dos 4%) e o défice em menos de metade do que recebeu. Revolucionou a política energética, relançou a indústria automóvel e, tanto quanto o Congresso permitiu, reforçou a regulação do sistema financeiro, obrigando os bancos a pagar multas milionárias pelas suas práticas especulativas. Deixa, também, uma sociedade mais justa: fez os ricos pagarem mais impostos e, sobretudo, garantiu, com o Obamacare, o direito básico de acesso à saúde para muitos milhões de norte-americanos. Esteve, ainda, do lado certo nos combates contra o racismo, pela legalização dos imigrantes, pelos direitos dos homossexuais e contra o poderoso lóbi das armas.
No plano externo, o registo não é menos notável: retirou do Iraque (onde os Estados Unidos nunca deviam ter entrado) e iniciou a retirada do Afeganistão; combateu o terrorismo e abateu Bin Laden; proibiu a tortura e tudo fez para fechar Guantánamo (o que o Congresso acabou por impedir); fez o acordo nuclear com o Irão; restabeleceu relações com Cuba; desautorizou a política de colonatos de Israel; liderou o acordo de Paris para o combate às alterações climáticas e, com visão estratégica, lançou negociações para novos acordos comerciais. Cometeu erros, é certo, na Líbia, na Síria, no abuso dos drones. No essencial, porém, Obama merece ser recordado como o presidente que rompeu com o unilateralismo belicista de Bush e prosseguiu, com resultados, uma política externa de causas justas, apostada no multilateralismo e na solução pacífica dos conflitos.
Orador brilhante, porventura o melhor de sempre, Barack Obama – primeiro presidente negro da história norte-americana – é o político mais inspirador da sua geração e candidato a ser considerado uma das figuras maiores do século XXI. Quando chegou, disse aos norte-americanos: “Yes, we can!”; despediu-se agora, lembrando-lhes que era deles o cargo mais importante em qualquer democracia: o cargo de cidadão. O futuro dirá o que os norte-americanos serão capazes de fazer com a sua democracia. Obama, esse, fez a sua parte. E conseguiu um merecido lugar na história.
Artigo publicado no Jornal de Notícias