Evidentemente, seria sempre gravíssimo que, entre 2011 e 2014, 10 mil milhões de euros (!) tenham voado de Portugal para paraísos fiscais sem o adequado controlo pela autoridade tributária. Contudo, o que transforma esta situação num escândalo intolerável é que isso tenha acontecido exatamente quando o Governo da Direita exercia sobre as famílias, os pensionistas e as empresas uma perseguição fiscal absolutamente impiedosa para cumprir a sua famigerada “estratégia de empobrecimento”, assente numa absurda agenda de austeridade “além da troika”.
O que se passou, pela sua dimensão e gravidade, exige um esclarecimento cabal que permita apurar todas as eventuais responsabilidades – tanto ao nível técnico-administrativo, como ao nível político – mas que garanta também a introdução dos procedimentos necessários para assegurar que isto não se repete. As audições no Parlamento dos membros do Governo responsáveis pelos assuntos fiscais e dos mais altos responsáveis administrativos da autoridade tributária deve ser vista como uma iniciativa oportuna e um importante primeiro passo para a obtenção dos esclarecimentos necessários, a que se juntará a auditoria já solicitada pelo Governo à Inspeção-Geral de Finanças.
Três perguntas essenciais exigem resposta. Primeiro, porque é que foi descontinuada, logo a partir de 2011, a boa prática introduzida e tornada legalmente obrigatória pelo Governo socialista de José Sócrates de publicar anualmente toda a informação estatística sobre as transferências para “offshores”? Segundo, e não menos importante, porque é que o incumprimento dessa elementar obrigação legal de transparência, essencial para revelar movimentos anómalos, se manteve em 2011, em 2012, em 2013, em 2014 e em 2015 – dito de outra forma, durante toda a vigência do Governo PSD-CDS – ante a completa passividade, porventura negligente, dos responsáveis administrativos e da tutela política? Finalmente, porque é que aquelas transferências financeiras, relativas àqueles 10 mil milhões de euros, não foram sujeitas ao devido tratamento e controlo fiscal pela autoridade tributária, qual o montante da receita que o Estado pode ter perdido e o que é que ainda pode ser feito para que a lei se cumpra e nem tudo se perca?
Eis as perguntas que interessam, para as respostas que faltam.
Artigo publicado no Jornal de Notícias