Faz hoje precisamente um ano que uma estranha coligação PSD/CDS e PCP/BE se uniu no Parlamento para rejeitar o PEC IV (apoiado formalmente pela Comissão Europeia e pelo BCE), mesmo sabendo que isso iria arrastar o País para uma perigosa crise política em plena crise das dívidas soberanas.
Afirmei então, na Assembleia da República: “O Governo quer deixar registado um facto para memória futura dos portugueses: até esta data, o dia 23 de Março de 2011, dia em que a oposição decide precipitar uma crise política, Portugal foi sempre capaz – com maior ou menos dificuldade, mas foi sempre capaz – de assegurar o financiamento da sua economia e de evitar o recurso a uma ajuda externa. Mas, daqui para a frente, um agravamento da situação do País em resultado da decisão que hoje aqui será votada, será da inteira responsabilidade de quem, no pior dos momentos, decidiu, de livre e espontânea vontade, acrescentar à crise financeira esta evitável e irresponsável crise política”. E disse ainda: “a extrema-esquerda parlamentar (…) não pode ignorar que quando a direita precipita esta crise e vem falar de uma “coligação alargada”, do que está a falar, realmente, é de uma coligação alargada ao FMI, porque é para aí que esta irresponsável crise ameaça levar o País! E se os senhores acham que é já o FMI que governa, então desenganem-se, porque é caso para dizer que ainda não viram nada!”. O tempo, infelizmente, veio dar-me razão.
É sabido o que se passou a seguir ao chumbo do PEC IV: descida abrupta dos ‘ratings’ da República, dos bancos e das principais empresas (com custos financeiros elevadíssimos); subida inusitada dos juros da dívida pública; fechamento total dos mercados de financiamento do Estado e da economia. Por consequência, em menos de quinze dias, a 6 de Abril, Portugal foi forçado a pedir ajuda externa. A luta do Governo socialista de conquistar o apoio do BCE para que Portugal se mantivesse fora dos constrangimentos de um programa de assistência financeira, no grupo da Espanha e da Itália, foi derrotada por uma coligação partidária que não se importou de atirar Portugal para a companhia da Grécia e da Irlanda na ânsia de satisfazer, de uma assentada, o protesto da extrema-esquerda parlamentar e a impaciência pelo poder dos partidos da direita.
Não deixa de ser irónico recordar, à distância de apenas um ano, que a opção de rejeitar o PEC IV foi feita em nome da recusa do aumento dos impostos, bandeira que depois deu lugar à fabulosa promessa de uma austeridade contra “as gorduras do Estado” e não mais “contra as pessoas”. A verdade é que foi com este engodo fraudulento que o País trocou um programa exigente, mas moderado, de rigor orçamental por um muito mais penoso programa de austeridade, depois agravado pela absurda opção governamental de ir “além da ‘troika'”. Um ano depois, os factos são estes: os impostos – os tais que não podiam aumentar – afinal, subiram todos e muito; as famílias sofreram cortes violentos nos salários, nos subsídios e nas prestações sociais; a recessão na economia agravou-se muito seriamente e o desemprego disparou, de 12,1 para 14,8%. Perante isto, o anunciado ponto final na ajuda externa, com o regresso aos mercados em 2013, parece cada vez mais uma miragem. Uma coisa é certa: desde as eleições que não se vê nenhum membro deste Governo voltar a repetir a promessa eleitoral de que acabou a austeridade “contra as pessoas”.
Artigo publicado no Diário Económico