Um gesto de puro “vandalismo diplomático” – foi com esta expressão certeira que o insuspeito “Financial Times” qualificou a decisão de Donald Trump de transferir a embaixada norte-americana para Jerusalém, que vale como reconhecimento daquela cidade como capital do Estado de Israel.
Como se vê pelas reações inflamadas na região, incluindo os previsíveis apelos a uma nova Intifada, a decisão de Trump é um criminoso atentado contra a paz, que promete incendiar o Médio Oriente a troco de nada – como é próprio dos atos absurdos de vandalismo. Tomada sem o mais pequeno sinal de contrapartida, designadamente sem um compromisso claro de Israel quanto ao relançamento das negociações, esta decisão irresponsável desqualifica definitivamente os Estados Unidos da América como mediador credível e parece desenhada para dinamitar o velho sonho de uma solução pacífica para o conflito israelo-palestiniano.
Como recordou o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, não há alternativa a uma solução negociada, assente no reconhecimento mútuo dos dois estados – Israel e Palestina – e que envolva Jerusalém como capital partilhada, se necessário sob proteção internacional. É esse o projeto do acordo de paz de Oslo, assinado em 1993, tal como é esse o desígnio prosseguido por sucessivas resoluções do Conselho de Segurança e por múltiplas iniciativas negociais, que tantas vezes contaram com o empenho expresso de vários presidentes norte-americanos.
Diz Donald Trump que a sua decisão se limita a reconhecer a “realidade”, mas o que é evidente é que o presidente norte-americano não percebeu rigorosamente nada da realidade que conta. Como fez notar o Papa Francisco, se é verdade que Jerusalém é uma cidade sagrada para os judeus, também é verdade que não o é menos para os cristãos e para os muçulmanos. Ora, é justamente essa realidade político-religiosa incontornável que se torna necessário compreender para encontrar uma solução pacífica, não a realidade que em 1967 foi imposta pela ocupação israelita.
É sempre difícil encontrar uma explicação racional para os atos de vandalismo. A maior parte dos observadores, todavia, inclina-se para ver nesta decisão incendiária uma simples manobra de diversão face aos temas desconfortáveis que Donald Trump enfrenta no plano interno – e haverá, decerto, alguma verdade nisso. Mas creio que vale a pena prestar mais atenção ao argumento principal que o próprio Trump invocou: esta decisão, disse ele, “serve os interesses da América”. A esta luz, talvez a instabilidade que Trump está a semear no Médio Oriente tenha a explicação mais mesquinha e mais criminosa de todas: o negócio das armas.
Artigo publicado no Jornal de Notícias