Há presidências europeias que entram e saem quase sem se dar por elas, mas há também as que, em razão da sua lucidez, do seu poder de iniciativa e da força da sua liderança, têm o condão de influenciar o curso dos acontecimentos e deixar a sua marca na história do projeto europeu. Foi esse o caso das notáveis presidências portuguesas anteriores, que inscreveram na história da Europa contributos tão decisivos como a Estratégia de Lisboa e o Tratado de Lisboa, e está a ser assim também com a atual presidência portuguesa, que conseguiu desbloquear o lançamento da Conferência para o Futuro da Europa e se prepara agora para organizar uma Cimeira Social onde será discutida e proclamada a Declaração do Porto – um roteiro de compromissos para a efetiva implementação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, em direção a uma Europa mais justa.
Assim que o Governo socialista de António Costa anunciou a sua decisão de fazer da Europa Social uma prioridade central da presidência portuguesa, convocando os líderes europeus para uma renovada prioridade a temas até aqui secundários na agenda europeia, como o combate à pobreza e às desigualdades, o gigantesco aparelho institucional europeu, tradicionalmente pouco entusiasta de mudanças de rumo, começou, pouco a pouco, a mover-se. Desde logo, a transição ambicionada pelo projeto europeu deixou de ser apenas descrita como “verde” e “digital”, para passar a ser também “justa”. Depois, a Comissão Europeia não só tratou de tirar da gaveta uma proposta legislativa, há muito prometida, para combater a discriminação salarial das mulheres no mercado de trabalho, como se apressou a preparar e a apresentar todo um novo Plano de Ação para a implementação do chamado Pilar Europeu dos Direitos Sociais – um eixo de ação política aprovado há quatro anos numa outra Cimeira, em Gotemburgo, mas nunca levado à prática.
Certo é que, por impulso da presidência portuguesa, os líderes europeus vão discutir, não só entre si mas com os sindicatos e outros parceiros sociais, uma nova agenda social, que assume o objetivo e a ambição de, nos próximos dez anos, aumentar para 78% a população entre os 20 e os 64 anos com emprego (o que só é possível aumentando muito a participação das mulheres no mercado de trabalho); aumentar para 60% a percentagem de adultos que participam anualmente em ações de formação profissional e reduzir em 15 milhões o número de pessoas em risco de pobreza ou exclusão social.
Consequentemente, sobre a mesa vão estar temas tão importantes como os instrumentos europeus de combate à pobreza e às desigualdades, os sistemas de apoio social e garantia para crianças e jovens, o enquadramento europeu do salário mínimo, o resseguro europeu de desemprego, a discriminação salarial e a igualdade de género, a conciliação entre a vida profissional e a vida pessoal e familiar, o desafio demográfico e o apoio à natalidade, as qualificações e a formação profissional e a necessidade, cada vez mais incontornável nestes tempos de pandemia, de a Europa avançar para uma verdadeira União para a Saúde. Naturalmente, não se trata ainda de aprovar as numerosas iniciativas legislativas e instrumentos financeiros que serão necessários para cumprir as ambições que ficam definidas, trata-se, isso sim, de vincular os líderes europeus a metas e a compromissos políticos concretos, que obriguem depois a impulsionar o devido seguimento. É assim que a presidência portuguesa de 2021 deixará a sua marca – uma marca social – capaz de fazer a diferença no futuro da Europa e na vida dos cidadãos europeus.
A cimeira do Porto é a cimeira de que a Europa precisava: uma Cimeira Social para uma Europa mais justa.
Artigo publicado no site “Fazer Acontecer“: uma iniciativa da Delegação Portuguesa do PS no Parlamento Europeu por ocasião da Cimeira Social do Porto de 6 e 7 de maio de 2021.