O Acórdão do Tribunal Constitucional que declara a inconstitucionalidade da eliminação dos subsídios de férias e de Natal dos funcionários públicos e dos pensionistas, por violação do princípio da “igualdade proporcional”, é uma decisão notável e corajosa, que honra e prestigia o Tribunal Constitucional como instância de defesa dos direitos constitucionalmente protegidos dos cidadãos e dos valores estruturantes do nosso Estado de Direito.
Como tive ocasião de escrever aqui (4/11/2011): “A eliminação, dita transitória, dos subsídios de férias e de Natal dos funcionários públicos, dos trabalhadores das empresas públicas e dos pensionistas constitui uma injustiça brutal e intolerável na distribuição dos sacrifícios. Para além da medida ser discriminatória, violando grosseiramente os princípios da igualdade e da equidade fiscal, é chocante o modo como atinge pessoas com rendimentos muito baixos (…). E as coisas estão ligadas: a escolha de um universo tão restrito conduziu a uma enorme violência no esforço imposto aos grupos atingidos, em claro desrespeito do princípio da proporcionalidade”. Foi esse também, no essencial, o entendimento do Tribunal Constitucional – e dificilmente poderia ser outro.
E que não haja confusões: a decisão do Tribunal Constitucional – tomada por uma maioria clara, indiferente aos alinhamentos partidários – não criou um problema ao Governo, o que fez foi resolver um problema que o próprio Governo tinha criado a milhões de cidadãos vítimas de uma injustiça brutal! E ao contrário do que precipitadamente sugeriu o primeiro-ministro, na entrevista que resolveu dar à porta do musical de Filipe La Feria, também não é verdade que o Acórdão determine este ou aquele caminho alternativo: o Tribunal limitou-se a afirmar, e bem, que a crise financeira não suspende os princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade. E isto significa apenas que o Governo, sejam quais forem as suas opções – que só a ele competem e só a ele responsabilizam – não está dispensado, nem pela crise, nem pelo Memorando da ‘troika’, do dever de respeitar a Constituição e promover uma justa distribuição dos sacrifícios. Que isto seja para o Governo uma “dificuldade inesperada” é que deve ser considerado uma surpresa…
Mas se a intervenção do Tribunal Constitucional, requerida por um conjunto de deputados, qualifica a nossa democracia e as instituições do nosso Estado de Direito, a escandalosa omissão do Presidente da República quanto ao uso dos seus poderes de fiscalização da constitucionalidade fica a constituir mais uma página negra deste seu desastrado mandato. O facto é que o Presidente sabia – ele próprio o disse em público! – que a eliminação dos subsídios dos funcionários públicos e dos pensionistas violava um “princípio básico de equidade fiscal”. Sabia, mas resolveu não fazer nada!
Alega agora que não podia pedir a fiscalização preventiva da constitucionalidade porque isso, além de inédito, iria “deixar o País sem Orçamento” num momento delicado. Fraco argumento: nem esta situação tem precedentes, nem é verdade que o País fosse ficar “sem Orçamento”. Mas mesmo que se aceitasse o argumento do Presidente quanto à fiscalização preventiva, nenhuma razão pode justificar que o Presidente, consciente que estava desta tão grave violação dos princípios constitucionais, se tenha abstido de promover a fiscalização sucessiva da constitucionalidade, tal como o fizeram os deputados. Era esse o seu poder e era esse o seu dever como Presidente da República que jurou cumprir e fazer cumprir a Constituição.
Artigo publicado no Diário Económico