O facto político é este: no ano da graça de 2014, Cavaco Silva, Passos Coelho e Rui Machete atravessaram meio mundo para ir a Díli aprovar, em nome de Portugal, a entrada da Guiné Equatorial na CPLP.
A encenação do embaraço português, embora caricata, não constará da acta final da cimeira.
Tendo decidido ceder a todas as pressões e viabilizar a entrada da Guiné Equatorial na CPLP, o Governo e a Presidência da República esforçaram-se por fazer passar na comunicação social, estranhamente com algum sucesso, uma estratégia de despudorada desresponsabilização assente em três argumentos, todos eles falaciosos.
Em primeiro lugar, o argumento do costume: este processo “já vinha de trás”. Entendamo-nos: o que realmente “vinha de trás” não era nenhuma decisão política final mas apenas o pedido formal da Guiné Equatorial, que levou à atribuição de um mero estatuto de “observador” e à fixação, em 2010, com a participação do Governo anterior e o acompanhamento do actual Presidente da República, de um muito exigente roteiro de requisitos para uma eventual adesão, quer no domínio da valorização da língua portuguesa, quer sobretudo em matéria de democratização do regime e de respeito pelos direitos humanos. Assim sendo, a avaliação da suficiência dos progressos efectuados pela Guiné Equatorial, ao longo dos três últimos anos, em todas estas frentes, incluindo no que se refere ao respeito efectivo pelos princípios do Estado de Direito, é da inteira responsabilidade do Governo e do Presidente actuais. Como é sua a responsabilidade pela decisão final que acaba de ser tomada.
Em segundo lugar, o argumento extraordinário de que Portugal, sobretudo na sua condição de antiga potência colonial, “não podia ficar isolado” e “não é dono da CPLP”. Evidentemente, não é disso que se trata: ninguém é dono da CPLP, a não ser os seus Estados-membros, nos termos dos respectivos estatutos. O que sucede, e é aliás frequente neste tipo de organizações internacionais, é que a adesão de um novo Estado, qualquer que ele seja, depende de uma decisão que tem obrigatoriamente de ser proferida por unanimidade. Isto significa que na decisão colectiva a posição de todos e de cada um dos Estados-membros tem de ser devidamente respeitada. Falemos, pois, com clareza: a verdade é que o Presidente da República e o Governo português, ao decidirem como decidiram, fizeram uma escolha política que podiam não ter feito. E essa escolha é inteiramente sua.
O terceiro argumento é, de entre todos, o mais bizarro e resume-se nisto: Portugal participou activamente no consenso favorável à entrada da Guiné Equatorial na CPLP mas, ao contrário dos outros, “não escondeu o seu embaraço”. Sublinhou-se até que o Presidente Cavaco Silva, que chefiou a delegação portuguesa, “não aplaudiu” o ditador Teodoro Odiang, sugerindo uma nova modalidade de deliberação: a “aprovação por unanimidade mas sem aclamação unânime”. Mais: Portugal fez constar que só aceitou que Odiang participasse na sessão de abertura, antes mesmo de ser formalmente decidida a adesão da Guiné Equatorial, “para não criar um incidente protocolar” aos nossos amigos timorenses e contribuir assim para que a cimeira de Díli fosse aquilo que o Presidente e o Governo português garantem, apesar de tudo, que foi: “um sucesso”. Eis a verdadeira história do contributo de Portugal para o alegado “sucesso” de uma cimeira no fim da qual só há uma certeza: a CPLP já não é o que era.
Artigo publicado no Diário Económico