No CDS, já se sabe, isto às vezes acontece: mesmo as promessas mais solenes são sempre revogáveis. A ideia de “política positiva”, por exemplo, que Assunção Cristas prometeu como a sua imagem de marca nos cartazes que espalhou pelo país inteiro quando chegou à liderança do partido, acaba de ser revogada pela própria, sem apelo nem agravo e à vista de toda a gente. Na verdade, anunciar uma moção de censura ao Governo no primeiro dia de luto nacional por uma tragédia em que dezenas de pessoas perderam a vida não é apenas um gesto de profundo mau gosto, é trocar, na pior das alturas, a política séria pela politiquice e falhar à responsabilidade de fazer o mais importante: contribuir para as soluções necessárias para que esta tragédia não se repita.
Pelos vistos, no CDS convenceram-se que seria uma grande ideia aproveitar a “fantástica oportunidade” das mortes ocorridas nos incêndios para atacar o Governo e tentar obter uns miseráveis ganhos partidários. Puro engano. Mais cedo do que tarde, o CDS irá certamente perceber que esta maldosa moção de censura se vai virar contra si mesmo e contra a própria Oposição. Contra o CDS, porque, independentemente dos eventuais ganhos de ocasião, a tentativa de aproveitamento partidário desta tragédia não deixarei de pesar na imagem de uma liderança que se pretendia “positiva”. Contra a oposição, porque, como fez notar o presidente da República, se a aprovação de uma moção de censura implicaria a queda do Governo, a sua rejeição no Parlamento significará, inevitavelmente, um claro reforço da legitimidade do Executivo e uma confirmação da solidez da maioria parlamentar que o apoia.
Obviamente, a ideia de propor ao Parlamento a abertura de uma crise política – é isso, afinal, uma moção de censura – numa altura em que o maior partido da Oposição está em plena crise de liderança, o Orçamento acaba de dar entrada na Assembleia, a economia está finalmente a melhorar e Portugal está até a virar junto das agências de rating a “página do lixo”, é de uma tremenda irresponsabilidade. Mas o pior, mesmo, é a própria ideia de fazer politiquice com a tragédia. Mais do que tudo, é isso que merece censura – e vai tê-la. No Parlamento e no país.
Artigo publicado no Jornal de Notícias