O Grupo de Trabalho nomeado pelo Governo para indicar os grandes investimentos a realizar até 2020 apresentou esta semana as suas conclusões finais, em mais de 400 páginas. Mas o mais interessante contributo do relatório está logo no título:
Os investimentos públicos, até aqui considerados despesistas e megalómanos, passam a designar-se “infraestruturas de elevado valor acrescentado”.
Ao contrário do que seria legítimo esperar, não foi preciso nenhum novo estudo custo-benefício (digno desse nome) para o grupo nomeado pelo Governo propor uma reviravolta na consideração de muitos investimentos projectados no passado e propor para decisão 30 projectos “prioritários”, que implicarão nada menos de 5.100 milhões de euros de investimento (em que 1.400 milhões terão de vir directamente do Orçamento de Estado, isto é, dos contribuintes). Quem diria que ainda sob a égide deste Governo, que disse o que disse, seriam propostas como grandes prioridades nacionais obras como o aumento para mais do dobro (!) da capacidade do Terminal de Contentores de Alcântara ou a construção do IP3 Coimbra-Viseu com “características geométricas em planta e em perfil (…) definidas para a velocidade base de 120 km/h”?
O que se conclui desta mudança é que a diabolização do investimento público, embora articulada com um discurso ideológico contra o Estado, visou essencialmente cumprir uma função rasteira no combate político-partidário, ao mesmo tempo que dava o seu contributo para estes três anos de recessão económica pretensamente regeneradora. Bastou a abertura de um novo ciclo de programação dos fundos comunitários para se dar o dito por não dito e aí temos o Governo, como se nada fosse, a relançar projectos que até ontem eram demonizados.
A surpresa maior, todavia, vai para um projecto novo: o novo Terminal de Contentores da Trafaria (ou, como agora se admite, no Barreiro), associado a um novo porto de águas profundas.
Trata-se de um investimento estimado de pelo menos 600 milhões de euros, a que há que juntar o custo das complexas ligações ferroviárias. Não deixa de ser extraordinário que, sem qualquer estudo que fundamente capazmente essa opção, se insista num projecto de investimento manifestamente conflituante com o plano de expansão do Porto de Sines, igualmente considerado prioritário – para já não falar dos custos, da irracionalidade e da mais que provável inviabilidade ambiental da ligação ferroviária a esse novo Terminal na margem Sul do Porto de Lisboa.
A insistência num projecto tão absurdo não é apenas uma proposta errada, que pode simplesmente ser descartada na decisão final. É, sobretudo, um péssimo sinal: um sinal de que o relatório colocado à discussão pública não é o exercício técnico isento e fundamentado que deveria ser. Pode até ser brilhante e até original mas, infelizmente, na parte em que é brilhante não é original e na parte em que é original não parece ser brilhante.
Artigo publicado no Diário Económico