As novas medidas de política monetária expansionista que Mario Draghi ontem anunciou para fazer face aos graves riscos de recessão e deflação que pairam mais uma vez sobre a zona euro são da maior importância para o futuro próximo da economia europeia.
Mas são ainda mais importantes do ponto de vista político porque desafiam a voz de comando da Alemanha e põem em causa, de uma assentada, a sua austeridade e a sua autoridade.
Desde o discurso histórico que o presidente do BCE proferiu em Jackson Hole, no dia 22 de Agosto, por ocasião de uma reunião de governadores dos bancos centrais, em que fez a defesa uma política orçamental mais amiga do crescimento e que explore todas as margens de flexibilidade permitidas pelas regras do euro, o ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, tem-se desdobrado em exercícios interpretativos para pôr água na fervura. “Conheço bem Mario Draghi, ele foi mal interpretado”, começou por dizer o ministro alemão na sua tentativa, algo desesperada, para reduzir a intervenção de Draghi a um mero apelo a mais reformas estruturais. Todavia, em entrevista à Bloomberg Television, Schäuble, por entre juras de concordância com o líder do BCE, deixou um aviso claro a Draghi: o BCE “já esgotou” os seus instrumentos para ajudar a zona euro, sentenciou ele. Que é como quem diz: “daqui não passarás”.
Ao adoptar, para surpresa de muitos, novas medidas de estímulo à economia – redução das taxas de juro, programas volumosos de concessão de crédito de longo prazo e, sobretudo, medidas não convencionais de compra selectiva de activos – o que Mario Draghi veio dizer foi uma coisa muito simples: não é porta-voz do BCE quem quer. Nem mesmo o ministro das Finanças alemão. E devolveu o recado a Schäuble: o BCE não só não esgotou os seus instrumentos de política monetária como pode não ficar por aqui e até já iniciou a discussão sobre um programa não convencional de compra generalizada de activos (“Quantitative Easing”), sendo que há diversos bancos centrais que defendem que já se devia ter ido mais longe. É por essas e por outras que quando Mario Draghi revelou que as medidas de estímulo à economia, apesar de aprovadas por uma “maioria confortável”, não foram aprovadas por unanimidade no Conselho de Governadores do BCE, toda a gente percebeu o que ele estava a dizer: o banco central alemão votou contra. Leia-se: votou contra e perdeu.
Sucede que Mario Draghi tem razão no ponto essencial do seu discurso de Jackson Hole, que ontem, aliás, reafirmou: a política monetária não chega. Na verdade, também as metas ao nível da inflação, cada vez mais distantes, precisam, diz Draghi, de mais crescimento económico e de menos desemprego. E isso não depende apenas das reformas estruturais: precisa do contributo urgente da política orçamental. Confrontado com os indicadores económicos de novo no vermelho e perante o avolumar das nuvens negras que se concentram no horizonte, Mario Draghi parece ter percebido o problema de fundo: a sua política monetária, por muito expansionista que seja, estará condenada ao fracasso se continuar a ter contra ela esta política orçamental.
Artigo publicado no Diário Económico