Pedro Silva Pereira redigiu um novo relatório e avança à Renascença que “há luzes e sombras” no balanço da implementação do acordo do Brexit. O documento será votado este mês, na Comissão de Assuntos Constitucionais do Parlamento Europeu, e sobe a plenário em março. À Renascença, o vice-presidente do Parlamento Europeu confessa que a UE tem revelado “uma paciência infinita”.
Três anos depois do Brexit, o n.º 10 de Downing Street já mudou de inquilino duas vezes. A Boris Johnson sucedeu Liz Truss e, agora, Rishi Sunak, mas o Reino Unido continua sem cumprir algumas alíneas do acordo assinado com Bruxelas, classificadas como essenciais, afirma o vice-presidente do Parlamento Europeu, Pedro Silva Pereira, em entrevista à Renascença.
“Não. Infelizmente o Reino Unido não está, de facto, a cumprir o acordo do Brexit”, lamenta o eurodeputado português. Dois exemplos: o controlo fronteiriço no mar da Irlanda e os direitos de residência.
O Vice-Presidente do Parlamento Europeu reconhece que, nas questões financeiras, o processo “está a correr razoavelmente bem”, mas denuncia a existência de falhas em matérias “prioritárias para o Parlamento Europeu”. Para começar, os direitos dos cidadãos: “É uma situação com ‘luzes e sombras’. Há coisas que estão a correr menos bem”. Que sombras são essas, então?
O relator para o acordo do Brexit recorda que os cidadãos da União Europeia, que residem no Reino Unido há pelo menos cinco anos, têm direito de residência permanente: “O que aconteceu foi que 41% dos requerentes apenas obtiveram um reconhecimento provisório dos seus direitos de residência porque ainda não tinham completado os cinco anos, ou porque a sua situação era duvidosa em relação à algum desse período de tempo”.
“A questão é que os cidadãos em causa têm de fazer um segundo pedido quando, finalmente, preenchem as condições. Ora, essa burocracia adicional, esse segundo pedido, se não for ativado atempadamente, pode levá-los a perder os direitos da residência”, adverte Pedro Silva Pereira.
E também há portugueses afetados por essas “sombras”: “Sim, certamente. Muitos viram seus direitos reconhecidos porque estavam há mais de cinco anos, mas há um contingente que está nesta situação provisória”.
A motivar preocupação, ainda neste capítulo, a inexistência de um documento físico que comprove os direitos de residência: “Tudo isto é digital. Acontece que as pessoas para fazerem um contrato de arrendamento, para não serem interpelados na fronteira, para abrirem uma conta no banco não têm consigo qualquer documento que comprove que têm direitos de residência. As pessoas com que interagem, sejam as autoridades, os proprietários de casas para arrendar, ou os bancos, é que têm de ir verificar à base de dados se aquelas pessoas têm o direito de residência”, afirma Pedro Silva Pereira.
Mantém-se a falta de controlo fronteiriço no “mar da Irlanda”
É, porventura, a questão mais complicada – e delicada – que ainda separa Londres de Bruxelas. Pedro Silva Pereira recorda que, “para não repor a fronteira, de tão má memória, entre as duas Irlandas colocava-se um problema de proteção da integridade do mercado único. O que ficou acordado, no protocolo da Irlanda do Norte, é que o Reino Unido se iria responsabilizar-se por fazer controlos fronteiriços no chamado ‘mar da Irlanda’, entre a Grã-Bretanha e a Irlanda do Norte”, mas isso não está a acontecer.
Segundo o vice-presidente do Parlamento Europeu, “tem havido muita resistência dos chamados unionistas da Irlanda do Norte, que querem ter um regime idêntico ao que vigora no Reino Unido”.
O problema, explica, é que se um determinado bem, com origem no Reino Unido, chega à Irlanda do Norte pode depois atravessar, “com facilidade”, as fronteiras da União Europeia “criando concorrência desleal”.
União Europeia tem tido uma “paciência infinita”
É verdade, diz Pedro Silva Pereira, que a União Europeia já “iniciou processos judiciais contra o Reino Unido, para exigir o cumprimento do acordo, mas está paralelamente a tentar, com uma paciência infinita, chegar a um entendimento que sirva todas as partes”.
O relator do Parlamento Europeu para o acordo do Brexit espera que o Reino Unido, que entretanto já mudou várias vezes de primeiro-ministro, “perceba é que é preciso virar a página das relações com a União Europeia e normalizar a situação”.
Será possível voltarmos a viajar da União para o Reino Unido só com Cartão do Cidadão? “Não está no horizonte”, responde Pedro Silva Pereira,
A Suíça, por exemplo, não faz parte da União Europeia, mas para ir de Portugal a Zurique não é necessário passaporte, como não era para Londres, antes do Brexit.
A solução até pode parecer simples mas, de acordo com Pedro Silva Pereira, não está “infelizmente” no horizonte.
“É preciso lembrar que os senhores que animaram a ideia do Brexit, fizeram-no para retomar o controlo de fronteiras – ‘take back control’. Isso significava travar os fluxos migratórios, ser muito exigente no controlo de fronteiras. Não há nenhum sinal de que o Reino Unido pretenda recuar nessa posição, o que significa que o passaporte continuará a ser necessário”, conclui o vice-presidente do Parlamento Europeu.
Entrevista concedida à Rádio Renascença e publicada em www.rr.pt a 08/02/2023